sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A queda do “assassino” do Homem íntegro...!

PR Blaise Campaoré 
Lá está, é puramente natural que o ímpeto de escrevinhar algumas linhas, em jeito de opinar, tenha sido alfinetado, pelos últimos acontecimentos na terra dos burkinabês (tradução: homens-íntegros) que fizeram valer a consciência e conceito de desobediência civil, com um movimento que mobilizou uma manifestação com centenas de milhares (algumas agências avançam com 1 milhão) de homens e mulheres que reclamam em viva voz, o direito à Liberdade do jugo de 27 anos do trocidário Blaise Campaoré.    
Blaise Campaoré(esq) e Thomas Sankara (dir)
Segundo se diz, o imperialismo na altura mascarado pela inteligência norte-americana CIA, financiou e armou o golpe de Estado contra o íntegro Thomas Sankara, dizia-se também algures entre o mito e a verdade, que o sempre presente serviço da inteligência francesa, chamado na época de neocolonialismo, escolheu o autor material. 

Há, nesta carta oficial (correspondência entre dois chefes de Estado) que vazou na net, pela notável e poderosa Jeune Afrique, á confirmação da tese de muitos analistas regionais que, sempre apontaram para o PR Blaise Campaoré como sendo,  marionete dos interesses da França na Costa Ocidental africana.
Thomas Sankara(esq) Baise Campaoré (dir)
Não nos basta-se as ameaças constantes do vírus criado pela indústria farmacêutica, rebatizado de Ébola, que fez a mídia ocidental criar os leprosos da nova era, agora temos na região, um agarradíssimo ao poder. Pergunta-se, o PR Blaise Campaoré, tem condições para manter-se no poder? Na minha opinião, NÃO! Deve abandonar imediatamente a presidência da república, por reprimir o povo com violência, pela lógica do poder pelo poder!!! 
Manif em Burkina Faso
E agora ironizando, espero que isso aconteça antes do pedido de desculpas ao povo francês, que com alguma certeza será feito pelo primeiro-ministro, tendo em conta o vazamento de documentos oficias na internet. Mais sarcástico ainda, digo, trata-se da primeira e provavelmente a última vez, que aparecem documentos oficias e diplomáticos das autoridades francesas, no mundo da web.
Manif em Burkina Faso
Para não estar a maçar o leitor, gostaria de dar os parabéns aos irmãos moçambicanos(a), já é oficial à FRELIMO e o Nyusi triunfaram nas últimas eleições em Moçambique.

“A Frelimo terá 144 deputados na Assembleia, menos 47 do que o atual grupo parlamentar, a Renamo aumenta a sua presença de 51 para 89 mandatos e o MDM passa de oito para dezassete. A abstenção foi de 51,51% nas legislativas e de 51,36% nas presidenciais...” segundo à Rádio Moçambique.

O país torna-se assim num exemplo a seguir em África, com um exemplar histórico de terceira sucessão ao poder presidencial, sem sobressaltos maiores. E claro, para não fugir à regra, o constatável Dhlakama, crônico líder da RENAMO, não irá aceitar os resultados, e também não conseguirá mobilizar pacificamente a população, como prometeu durante a campanha eleitoral e, muito menos, ao estilo da terra do grande revolucionário Thomas Sanakara, o inventor de Burkina Faso, dos poucos países em África, que ousou mudar o nome dado pelo colonialista, dando volta por cima, acabando com a submissão do país com nome estranho, Alto Volta.        

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Um governo de consensos

Ricardo Rosa

Por: Ricardo Rosa

"Dos resultados saídos das eleições, dos apelos da comunidade internacional e das vontades políticas internas, tendo como pano de fundo o espírito da inclusão, assim se formou o XXI governo da República da Guiné-Bissau empossado no passado dia 4 de Julho de 2014 pelo Presidente da República. Um governo liderado pelo Eng.º Domingos Simões Pereira, Presidente do partido vencedor das eleições legislativas com maioria absoluta, o PAIGC.”
Com mais de um mês de exercício de funções este governo começa a sentir na pele quais as pressões inerentes à função, apesar de integrar alguns já experimentados no assunto, a começar pelo próprio Primeiro-Ministro. Promovendo um espírito de diálogo permanente com os tradicionais parceiros sociais e de desenvolvimento, entre concertações e consensos, depois da onda de expectativas iniciais defraudadas, conforme comentários de analistas políticos da nossa sociedade e das conversas sociais nas tertúlias improvisadas, certeza é que este governo ganhou o coração do comum cidadão. Desde logo, já pagou três dos quatro meses em dívida para com os funcionários públicos, pensionistas e reformados. E ainda aliviou as pesadas contas das nossas representações no exterior que já contavam com uma vintena de meses de atrasados salariais. Um governo para arrasar com tudo mas não com todos.
Com dezasseis ministérios e quinze secretarias de estado, este governo conseguiu surpreender os mais desatentos dos últimos acontecimentos políticos no país que desembocaram nas eleições gerais, legislativas e presidenciais. Resultado de um amplo consenso político visto que todos os partidos com assento parlamentar estão aí representados, e ainda elementos apartidários, este governo é, acreditamos, o governo possível. Uma engenharia política de entendimento complexo ao substrato político interno amplamente caracterizado de múltiplas alas no interior de cada partido político que entre si lutam para fazer parte de um governo. Mas como este modelo não tem dado bons resultados, logo, benefício de dúvida é devido a esta nova fórmula. Contudo, a sociedade civil aqui não entrou, mas também não devia. Um assunto a desenvolver mais à frente.
Depois de uma longa cavalgada interna, o PAIGC conseguiu realizar o seu congresso e eleger os seus órgãos. Entre alianças e desconfianças, o partido conseguiu reestruturar-se e ganhou as eleições legislativas com maioria absoluta, conseguindo assim, legitimidade constitucional de formar o seu próprio governo. Um governo à medida dos desafios projetados pelo partido para fazer face aos gravíssimos problemas que o país enfrenta. Um governo PAIGC conforme as regras do jogo político. Da sua responsabilidade política. Como bem frisou o Presidente da República aquando da toma de posse do governo. Esta situação coloca os partidos integrantes, em primeira mão, num verdadeiro labirinto político. Serei responsável inclusive pelos actos dos outros? Uma questão que ficará no ar.
Apesar do entendimento comum, nacional e internacional, que o país precisa de consensos amplos alcançados também pelo diálogo político inclusivo, e sobre esta matéria muito já foi dito e escrito, a sua arquitetura foi sempre de difícil assunção dada à própria estruturação deste tipo de paradigma político, a coligação. Para além do paradoxo no ganhar absolutamente e ainda ter que partilhar o ganho com a oposição. Simplesmente não é lógico. Mas como a lógica nem sempre faz parte da política. Quiçá!
Mas também existem ganhos subjacentes às coligações de forças políticas. Desde logo a todos o dever de participar responsavelmente na execução da sua função de governante tendo em mãos a bandeira do país e não do partido, na perspectiva de se pôr em marcha um programa de governo que traduza o engajamento de todos em políticas de desenvolvimento socioeconómico realistas e, sobretudo, realizáveis. E ainda que permitam alicerçar uma consciência comum sobre os reais problemas sociais e políticos que o país em concreto enfrenta e que a população espera vê-los resolvidos. Portanto, estando todos juntos, a tarefa fica tendencialmente mais facilitada.
A conjuntura sociopolítica instalada tem colocado o país numa fragilidade generalizada. Todos os sectores encontram-se num estado de abandono pelas autoridades da república, dando a entender que o país é conduzido pelas instituições internacionais ou por elas financiadas. O aparelho do estado tem prestado um serviço passivo face às demandas da população, provocando descrédito e consequente afastamento, abrindo assim caminho para a busca de soluções individuais, que em determinadas situações têm-se apresentado fatal, casos de justiça popular, por exemplo. Portanto, este governo deverá inscrever nas suas prioridades o resgate da administração pública e seu devido reposicionamento no contexto nacional, recuperando assim o seu papel de gestor principal para melhor administrar o seu território.
Uma reforma à larga escala é sobejamente necessária e urgente, de forma a se conseguir dar dignidade ao estado, à sua população e às suas instituições. Uma reforma que se oriente para sectores prioritários começando, sobretudo por uma profunda mas ajustada reforma de um sector fiscal que coloque todos os contribuintes e utentes, sem grandes exceções, a participarem ativamente no financiamento das necessidades sociais básicas a serem satisfeitas pelo governo. De um sector de educação que privilegie o conhecimento racional ínsito a qualquer homem, com rigor e modernização, mas sem políticas convencionais. De um sector de saúde que assista sobretudo preventivamente a população sem olhar a substratos sociais, raciais ou políticos.
De um sector agroindustrial que faça aumentar a autossuficiência alimentar e que permita colocar o selo de made in Guiné-Bissau. Um sector de justiça promotor de uma saudável segurança jurídica longe das mãos ocultas. Um sector de infraestruturas e comunicações capazes de modernizar as ligações terrestres, marítimas e aéreas sem risco e custo maior para os utilizadores tornando o país num espaço moderno e acessível. Um sector do ambiente e do turismo que criem condições para sustentabilidade futura das nossas riquezas naturais.
O país espera deste governo coligado uma estabilidade governativa e institucional que traga o bem-estar social há muito estacionado numa memória longínqua. Realidade que acreditamos haver condições mínimas para o ponta pé de saída dum projeto social de longo prazo, daí a cautela devida em não se exigir mais do que de imediato é possível e, com isto, também não quer dizer que se deve relaxar à sombra da bananeira à espera que os parceiros de desenvolvimento ditem as regras do jogo. Um governo exigente nas áreas pilares da sociedade de maneira a serem protegidos os valores e os princípios sociais e morais, e no pleno zelo da nossa nacionalidade.
A responsabilidade política deverá ser permanentemente avaliada pela Assembleia Nacional Popular e pelo Presidente da República, na expectativa que tudo farão para que haja a estabilidade política necessária para os mandatos serem cumpridos e, de facto, conseguirmos ter um ciclo legislativo completo. Para que os momentos de instabilidade tenham sido passados necessários para compreendermos que temos que dar oportunidade ao desenvolvimento como o demos à luta pela independência. Todas as instituições civis devem participar nesta nova dinâmica de forma a poder criticar construtivamente em benefício de todos e não numa tentativa de intervenção apenas porque têm que se mostrar presentes. Daí o entendimento que neste contexto em que o governo foi formado, a sociedade civil não deveria fazer parte, porquanto ser a única voz do povo face à governação, uma responsabilidade que deve ser acolhida com tenacidade, a mesma inscrita nos seus ideais.
A todos a responsabilidade de ajudar os representantes do estado a cumprirem com os seus mandatos num ambiente positivamente alimentada com valências individuais ou coletivas, sejam elas residentes ou não mas, para que espírito patriótico permaneça acima das diferenças e das incompreensões políticas, sociais e culturais. Que consigamos gradualmente definir um novo paradigma social para a nossa querida Guiné distante do abismo homofóbico a que fomos conduzidos nestes últimos anos e que nos tem levado ao isolamento neste mundo que é suposto ser de solidariedade globalizada.


sábado, 25 de outubro de 2014

Crônicas de uma remodelação anunciada

Victor Barros

… Ainda a propósito dos 100 dias de governo e governação do Eng.º Domingos Pereira, teria sido oportuno escrever algo no “timing” certo mas entendi que nisso de “timing” aqui na Guiné Bissau significa exatamente outra coisa, dai que resolvi esperar e …..Enquanto isso pude deliciar-me com alguns artigos sobre este tema que tenho que confessar que alguns estão muito bem escritos, com argumentos muito bem apresentados ao ponto de se quisermos parafrasear José Mourinho diríamos, que na GB e arredores temos milhão e meio de Primeiros-ministros, já que ao ler a explanação de ideias feitas aqui no face se pode facilmente chegar à opinião de que “Eles é que sabem”, eu não percebo nada disto, ….nem de “timings”.

Recuando ainda mais
A primeira coisa que me saltou à vista logo após a formação e apresentação do elenco governativo foi o facto de não me parecer ser este o governo do Eng.º DSP, este elenco não tem a sua "cara", algo ia mal, havia muita gente capaz e competente, com provas dadas, gente imaculada de fora, e havia alguma gente menos capaz, menos competente e menos imaculada ou até tramposa do lado de dentro.

Bom, como qualquer individuo esclarecido ao invés de começar a acenar com lenços brancos tentei perceber o porquê de gente desta estirpe estar ainda ou outra vez no governo ….

Aí compreendi 4 coisas:
I- Não se pode nem podem pensar ou querer ir todos para o governo nem todos para a função pública, alguém e alguns terão forçosamente de ficar na retaguarda e preparar a solidificação do poder, sim porque isto de pensar que a batalha esta ganha apenas porque se ganhou o partido e o governo e que já se ganhou tudo é ingenuidade pura, a grande batalha ainda esta por vir, a herança deixada por esta “Kambança” é deveras nefasta para quem pensar que chegar ao governo é o topo do K2, pois olha manter-se lá e governar então será o mesmo que chegar ao topo do Monte Evereste.

II- Depois de uma “Kambança” destas que não “Kambou” coisa nenhuma, seria bom começar com algumas caras (embora de caráter “duvidoso”) que ainda conhecesse os seus ministérios do que promover uma mudança radical (embora o país precise e… “menino inda sta na friu” como disse o Ady Teixeira) colocando pessoas imaculadas e competentes no governo e correr o risco de mais tarde ser acusado de total incompetência mesmo que rodeado de gente bastante competente.

III- Há duas formas de mostrar a alguém de que agir de uma determinada forma é um erro, ou se corrige logo (tipo, passou falou) e a pessoa nunca mais fará nada sem antes nos consultar, e aí teremos trabalho a dobrar, ou se deixa a pessoa provar a sua incompetência perante todos e com um simples ato ( eleva-se o patamar de exigência e da qualidade) cada um entende qual o seu lugar e….Coloca-o à disposição, atitude difícil de encontrar aqui na GB, estou a falar de demissão, claro. Ao que parece o Eng.º. DSP esta a deixar que cada um mostre a sua face oculta.

IV- Embora o Eng.º DSP tenha noção de que o país não tem mais tempo, nem espaço para experiências nem cobaias, convinha num primeiro momento, estabilizar, estancar a “sangria” e pilhagem do aparelho do Estado, preparar a estratégia de governação e apresentar aos doadores e depois aí sim colocar gente competente e de imaculado CV a gerir e a governar o país e o “budget” doado. E aqui encontramos a diferença entre um penso rápido e um curativo.

Daí que ao ler ontem o editorial do Jornal “Nô Pintcha” não tenha ficado surpreendido e os que conhecem o Eng.º DSP melhor do que eu também não devem ter ficado, os que pensam a GB e o povo Guineense também não...

“O Eng.º. Prevê uma remodelação dentro de 100 dias” by NÔ PINTCHA at 23.10.2014, ou seja haverá gente a ser “conde” em pouco mais de 200 dias….É chegada a hora de trabalhar para o país.

Não estou a dizer que não se tem trabalhado para o país desde que o Eng.º DSP formou governo mas já que conseguimos alavancar a “roldana”, agora é hora de a por a rodar e a alta velocidade, rodear-se de gente imaculada, competente e capaz de pensar o país e compreender o que é um compromisso com o estado. 

Gente capaz de levar este barco a bom porto. 

Mas também não vou embarcar naquela que diz que …”se retirarmos os do PRS do governo iremos provocar um caos social”, Caramba, isso é mesmo que dizer que no PAIGC não existe gente capaz de governar bem este país. Bem, podem sempre tentar justificar com uma de que se fez uma interpretação abusiva da frase, mas para mim uma coisa é clara e com a sua devida EXCEPÇÃO, Governa quem ganha e quem perde faz oposição.

Governar deveria ser como uma empresa, julgo até que o poderíamos chamar de Governo empresa, ou seja ao fim de cada período apresentam-se os resultados mediante os objetivos traçados à priori…..e quem vacilar…temos pena…..
Assim cada governante saberia que quando nomeia alguém para um cargo, estará a por em risco o seu posto, pois este dependerá do real desempenho do nomeado que por sua vez também terá objetivos a cumprir e a fazer cumprir…
O
ra estamos na GB, sabemos quem são os estratégas que orquestram os golpes de Estado, a eles lanço um aviso, “Não haverá mais espaço para boicotes nem para derrubes de governos ou provocações de eleições antecipadas, temos que provar ao mundo que somos capazes de viver em democracia, temos que conseguir cumprir um ciclo democrático, tal como fizemos eleições sem sobressaltos temos que saber mostrar ao mundo que podemos conviver com as nossas diferenças aproveitando sim as nossas semelhanças e melhorar o pais e a vida de todos”.

“A Governação não é para quem quer é para quem pode” By DSP in NÔ PINTCHA at 23.10.2014, apoio e digo que já deveria ter sido dito a mais tempo, falta a malta o entender, não sei….


Obs: Alguim fala “nô tem ku miti mom na lama”, maaaaaa bó purdam, pabia si nbim skirbi sobri lama, ó kim ku sta na miti si mom, si pé ó nós tambi i entra dja na lama……bó na bim panha raiba di mi…

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A INCONSTITUCIONALIDADE DA MORTE

Geraldo Martins

Por: Geraldo Martins

No dia 4 de Dezembro de 2063, o mundo acordou estupefacto com uma notícia surpreendente – o Supremo Tribunal Planetário declarara a inconstitucionalidade da morte.

Num conclave ultra secreto, a maioria dos treze juízes entendeu haver fundamento suficiente para proferir o inédito acordão.

O argumento apresentado é simples: no mundo dos seres vivos, ninguém quer morrer. Homens, cães, gatos, ratos, todos sonham com a vida eterna. Logo, porque a morte contraria a vontade última de todos os seres vivos, ela é naturalmente um fenómeno inconstitucional.

Não satisfeitos, os juízes opositores indagaram:
– Mas por que carga de água o «direito natural» há-de sobrepôr-se à jurisprudência divina?

A resposta dos juízes reformistas parecia estar na ponta da língua:
– Neste século 21, o mundo caminha irremediavelmente para a «naturalização». A mudança climática está a destruir civilizações; colesterol e bilirrubina destronaram facebook e Real Madrid no topo das palavras mais pesquisadas no google; e a bioquímica tornou-se uma ciência mais importante do que todas as ciências sociais juntas.

Não se desarmando, os juízes opositores lançaram um argumento contundente:
–Mas como ousam os senhores declarar a inconstitucionalidade da morte se o próprio Criador, o Todo-Poderoso, o Omnipotente, determinou o contrário?

A resposta não se fez esperar:
– O mundo virou ao avesso. Os valores estão invertidos. O egoísmo sobrepôs-se à solidariedade. A ganância conquistou direito de cidade. Os bons vão para o inferno. Os maus vão para o céu. Deus deixou de existir.

Entretanto, já se fazia a festa do oriente ao ocidente. À medida que a terra girava à volta do seu próprio eixo, milhões de pessoas regozijavam-se com a tardia mas sábia decisão, enquanto fogos de artifício tomavam conta do céu planetário subitamente clemente.

– Abaixo a morte! – gritavam uns com uma ira acumulada de vários milénios.
–Viva a imortalidade! -- replicavam outros com os dois braços erguidos para cima e os punhos cerrados.

A reação era perfeitamente compreensível. Desde o início da humanidade, a morte sempre fora uma concubina traiçoeira. Sendo inevitável, ela nunca foi simpática com os humanos, nem no seu tempo nem na sua forma. Talvez ela fosse menos ingrata anunciando-se previamente:
–Fulano-de-Tal, tenho o imenso desprazer de lhe comunicar que dentro de alguns dias virei viver consigo para sempre!

Mas não.
O homem de boné branco que acabou de beijar a mulher e assobia alegremente enquanto desce as escadarias do prédio para se dirigir ao escritório, está a cinco minutos de morrer. Ele não o sabe. Ninguém o sabe.

Passava pouco depois das seis da tarde quando numa pequena cidade de África se iniciou uma discussão. Ela foi detonada por uma pergunta simples, colocada por um espírito despido de euforia:
– Qual é o efeito prático da declaração da inconstitucionalidade da morte?

As pessoas calaram se. Um silêncio perturbador tomou conta do ar já poluído de dúvida. Antecipando qualquer resignação à ideia da ressureição da defunta morte, alguém lançou no meio da multidão:
– Ora bolas, que mais podia ser¬? Acabou a morte!

As pessoas voltaram a entreolhar-se, os semblantes transfigurados pelo abalar de uma certeza ténue. No alto da sua sabedoria, um velho baixinho e curvado sugeriu que se tirasse a prova dos nove:
– Liguem as televisões –, gritou com uma voz trémula e pausada.

A multidão precipitou-se para uma varanda alí ao lado onde um rapaz corpulento já ligava um televisor de ecrã plano e gigante. Os olhares fixaram-se no ecrã, rígidos e comoventes, à espera de saber se no extremo oriente, onde a noite já tinha caído há muito tempo, tinha havido um caso de morte.

Mal as luzes do ecrã televisivo cintilaram, viu-se uma maré humana a manifestar-se contra o fim da morte na cidade do México. Convocada pelos alter mundialistas duas horas antes, através do facebook, hi35 e hollofilm, a manifestação juntava mais de um milhão de pessoas que protestavam contra a primazia da morte sobre a pobreza.

Num cartaz que um dos manifestantes brandia podia-se ler:
– Viva la muerte ! Antes la muerte de que la pobreza eterna!

No mesmo instante, a manifestação global varria as cidades de Cape Town, Cairo, São Paulo, Nova York, Londres, Tóquio e Paris. Nesta última, quando a câmara colocou em grande plano um senhor vestido de calças gangas e um t-shirt amarrotado, este agarrou as mãos de um velho mendigo sentado no passeio, ao lado de um grande vasilhame de lixo, e pôs-se a gesticular diante da câmara com uma raiva contida, como que dizendo:

– O que é que preferem? Que este mendigo morra um dia, ou que continue a viver assim para sempre?

Entretanto, na pequena cidade de África, o sol começara a esconder-se no horizonte, deixando para trás ténues raios de luz vermelha. Espontaneamente, várias pessoas se precipitaram para a pequena praça da cidade, enchendo gradualmente todo o espaço circundante. Era uma manifestação pacífica contra a tolerância à morte. Indignados, os manifestantes jubilavam pelo fim da morte e ouviam discursos apaixonados de pessoas que antecipavam como seria a vida a partir daquele momento histórico. Quando uma mulher subiu ao palco e perguntou se a vida eterna não seria cansativa, a multidão reagiu com fúria dizendo que essa pergunta era uma imbecilidade.

De repente, talvez assustados pelo peso gigantesco dos sapatos sobre suas cabeças, os ratos começaram a sair dos esgotos da cidade e a invadirem a praça. Corriam caoticamente de um lado para o outro e vinham de todos os lados como se haviam sido convocados para uma manifestação na mesma praça.

Instantes depois, ocupavam cada centímetro da praça e subiam já sobre os sapatos das pessoas. O pânico tomou conta da praça. As mulheres gritavam desalmadamente. Os homens sacudiam os pés e saltavam para logo depois aterrar sobre os corpos moles dos ratos. A fobia aos ratos dispersou a manifestação dos homens. A correria desenfreada fazia cair homens e mulheres que se deitavam apavorados sobre os ratos e eram pisados por outros homens e mulheres em fuga. Durante cinco minutos foi o caos e, no fim, a praça esvaziou-se ficando nela apenas alguns corpos estatelados no chão.

Um silêncio assombrador voltou a reinar. As ruas estavam desertas. À distância de meia centena de metros da praça, dois homens estavam de pé a olhar ao longe para os corpos no chão. Estarão mortos? Entreolharam-se e, sem dizer nada, perceberam que havia chegado o momento de tirar a prova dos nove.

Começaram a caminhar vagarosamente em direção à praça, os corações a palpitarem de medo. Aproximaram-se com passos hesitantes de um homem que estava alí deitado. A noite já estava a cair. Curvaram-se diante do homem deitado no chão e, inclinando levemente o corpo para a frente, debruçaram-se sobre ele, fixando os seus olhos e perscrutando se nele havia sinal de vida. As pálpebras estavam semi abertas e as pupilas brancas e estáticas reflectiam as luzes pálidas da praça. Os dois homens entreolharam-se novamente sem dizer uma palavra, pois ambos perceberam a sentença:

O homem estava morto.

Bissau, 19 de Outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

MARINA NA HORA DA VERDADE. QUE POSIÇÃO DEVE ASSUMIR NO 2º TURNO?

Marina Silva

Por : Celso Lungaretti

"Política é propriedade", definiu o escritor Norman Mailer. Os profissionais deste ofício acumulam um certo capital e, mesmo nos reveses, tentam fazê-lo crescer. 
No caso presente, o da candidata derrotada Marina Silva, a moeda usual pela qual poderá trocar seu acervo de votos e as declarações de amor eterno a um(a) dos finalistas, seria(m) ministério(s) para si ou para seu partido no eventual governo daquele com quem fechar o acordo.

Ocorre que Aécio Neves representa o inimigo de classe, como ela aprendeu ou deveria ter aprendido durante as mais de duas décadas de militância no PT. Talvez sua educação haja sido negligenciada, afinal optou no ano de 1985, quando o partido já iniciara a faina de expurgar tendências de esquerda e abandonar, uma a uma, as bandeiras mais consequentes do passado. 

Aqui cabe uma recapitulação. Em 1982, ainda sob a ditadura militar, o PT disputou suas primeiras eleições (concorrendo aos cargos de governador, senador, deputado federal e estadual). A propaganda eleitoral gratuita era regida pela Lei Falcão, que dava ao partido o direito de expor apenas as fotos dos candidatos, enquanto um locutor lia os respectivos currículos.

Como parte significativa dos seus candidatos participara da resistência à ditadura, o PT, dignamente, incluiu nesses currículos a informação de que haviam sido presos políticos.
Ora, quem tem formas de comunicar-se em massa sempre pode propagar invencionices e quase sempre tais falácias colam, pois um traço perverso da mentalidade do homem comum brasileiro é acreditar piamente no que se fala de mau sobre outrem, sem exigir prova nenhuma. 

P. ex., se caluniadores imundos lançarem o boato de que uma respeitável educadora exerce atividade parasitária e vil, martelando-a incessantemente como recomendava Goebbeles, muitos idiotas sairão repetindo como papagaios esta mentira deslavada. 
Vai daí que a direita passou a desqualificar os candidatos petistas com zombarias do tipo "eles não têm currículos, têm prontuários policiais". E, então como agora, se os caluniados não dispõem de uma rede equivalente para restabelecerem o primado da verdade, são esmagados pelos rolos compressores que, a partir do impulso inicial dado por raposões, vão sendo engrossados cada vez mais pelos crédulos (que engolem qualquer patranha) e pelos despersonalizados (que nunca ousam se colocarem contra a maioria). 

É outro traço bem brasileiro: diante de um linchamento, a grande maioria toma o partido dos linchadores.

Os resultados pífios obtidos na sua estréia eleitoral apavoraram os grãos petistas. A palavra-de-ordem passou a ser respeitabilidade a qualquer preço! Inclusive quando o preço era deixar militantes entregues às feras direitistas, sendo retaliados e quase assassinados, como ocorreu no episódio dos quatro de Salvador, que relato aqui.

Reatando o fio da meada, faz sentido que uma ex-seringueira, ex-doméstica e ex-analfabeta, entrando aos 27 anos num partido que cada vez mais se afastava dos ideais revolucionários e provavelmente não estaria ensinando nem sequer o bê-a-bá do marxismo aos ingressantes, mostre até hoje pouca familiaridade com o equacionamento dessas questões em termos de classes sociais.

Afinal, até uma ex-guerrilheira diz coisas que tirariam Marx do sério, como o auto-elogio por haver ajudado a criar uma nova classe média. 
O velho barbudo queria é livrar a humanidade das divisões artificiais que só servem para perpetuar a desigualdade; a visão que tinha dos que oscilavam entre a burguesia e o proletariado era a mais depreciativa possível; e, como papa da economia política, ele riria na cara de quem ousasse sustentar que um coitadeza,  tendo como renda mensal uma merreca tipo R$ 291, pertenceria à classe média...

Mas, presume-se que de ambientalismo a Marina entenda. Como poderia associar-se ao representante de uma das burguesias mais selvagens e destruidoras do patrimônio natural que existem no mundo?! Apoiar Aécio, no caso dela, é inadmissível!
Há, contudo, um pequeno problema com relação à opção contrária. Marina saiu do PT exatamente porque sua adversária no Ministério, Dilma Rousseff, conseguiu impor no Governo Lula a diretriz do crescimento econômico sem freios, passando como um trator sobre suas bandeiras ecológicas.

E, na atual campanha sucessória, Dilma aprovou e aplaudiu a sua satanização, acumpliciando-se e sendo beneficiária de um dos capítulos mais deploráveis da história da esquerda brasileira.

Então, espero que Marina tenha a grandeza de portar-se como verdadeira arauta de uma nova política, abdicando dos dividendos a velha política lhe permitiria extrair do capital acumulado nas urnas. Caso contrário, os perspicazes imediatamente saberão que eram palavras ao vento; e os demais, aos poucos, irão chegando à mesma conclusão. 
A coerência manda, portanto, que Marina se declare neutra e libere os seus seguidores para votarem em quem quiserem.

* jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com 

SEMEARAM VENTOS. COLHEREMOS UMA TEMPESTADE?

"Lo que siento en esta ocasión,
lo tendré que comunicar,
algo triste va a suceder,
algo horrible nos pasará."
(Luis Advis, Cantata 
Santa Maria de Iquique)

Com a velha polarização prevalecendo de novo, teremos o 2º turno sonhado pelo PT, que não poupou nenhum golpe baixo para o viabilizar: Dilma Rousseff x Aécio Neves.
As perguntas que não querem calar são: 

  • Tendo implodido Marina Silva com uma avassaladora blitzkrieg de falsidades, insinuações e tendenciosidades, o PT preparou o caminho para a vitória... ou para sofrer a sua pior derrota desde 1989?
  • Como impedirá que os votos de sua filha pródiga migrem para Aécio Neves, se a satanizou como a pior das inimigas, ao invés de tratá-la com o respeito devido a uma adversária também pertencente  a campo da esquerda? 
  • O que lhe dá tanta certeza de triunfo, se o partido está visivelmente desgastado após 12 anos de exercício ininterrupto do poder e já não tem mais esperanças nem novidades para oferecer (só mais do mesmo, quando o mesmo se tornou pouco), se sua rejeição jamais foi tão elevada, se o momento econômico é o pior desde 2002, se nunca houve tantas e tão chocantes denúncias para a imprensa burguesa trombetear e se Dilma Rousseff mostra desempenho muito inferior ao de Aécio Neves nos debates eleitorais?
  • Nestas condições, não terá sido leviandade trocar a certeza de vitória de uma das candidatas de esquerda pelo risco de abrir as portas do Palácio do Planalto para o inimigo de classe, concorrendo para um terrível retrocesso?
  • O jeito é torcermos e agirmos para que os semeadores de ventos não colham tempestades que desabarão também sobre todos nós. 
Mas, se o pior ocorrer, haverá muito o que cobrarmos depois. 

E eu serei o primeiro a fazê-lo, pois fui também o primeiro a alertar para os perigos de encararmos uma eleição de forma tão temerária e inconsequente, com o exclusivismo tacanho dos torcedores de futebol (o meu time contra todos os outros) ao invés do despojamento dos verdadeiros militantes de esquerda, que devem sempre colocar a causa acima de seus interesses e conveniências.

domingo, 5 de outubro de 2014

Apontamentos do Professor Kafft Kosta

Professor Emílio Kafft Kosta

Colóquio dos «20 anos da Democracia na Guiné-Bissau: Balanço e Desafios»

Grande celebração dos «20 anos da Democracia na Guiné-Bissau: Balanço e Desafios», de 2 a 4 de Dezembro.

No âmbito desse retumbante êxito do Colóquio dos 20 Anos da Instauração da Democracia, vim proferir uma conferência intitulada «Plaidoyer por uma Renovação Constitucional e Reconstituição do Estado», no dia do encerramento do evento.

Com a ilustre presença do Presidente da ANP, do Primeiro-Ministro, dos Deputados, membros do Governo, representantes do corpo diplomático, Bispo de Bissau, representante dos Imames muçulmanos, representante das Igrejas evangélicas, poder judicial, professores, líderes partidários, líderes da sociedade civil, entre muitos, foi emocionante e gratificante.

Eis o Plano de pormenor da minha apresentação:


TÍTULO: PLAIDOYER POR UMA RENOVAÇÃO CONSTITUCIONAL E POR UMA RECONSTITUIÇÃO DO ESTADO
Plano de Pormenor

I - INTRÓITO CONCLUSIVO

1. Constituição da República da Guiné-Bissau: Manta de retalhos (de diferentes qualidades, espessuras, cores, tamanhos, idades – jungidos e costurados em tempos variados e por alfaiates diversos)

2. Saberes dos antigos : a Idade do Ferro, o dilúvio Júpiter-neptuniano e a salvação de Deucalião e Pirra

3. Vicissitudes constitucionais na III República: balancete

II - CHECK-UP AO SISTEMA CONSTITUCIONAL
1. A sistemática
2. Os princípios fundamentais
3. Sistema de direitos fundamentais
a) A questão dos nomes jurídicos
b) Os conteúdos
4. O sistema de poderes
a) Presidente da República
b) ANP
c) Governo
d) Aparelho judicial
e) As entidades autóctones num ângulo cego
f) Poder Local (instituído pelo Poder “Central”)
g) Poder militar (last but not least )
5. A praxis constitucional
6. Fiscalização da constitucionalidade: que instituições? Que processo?
7. Revisão da Constituição e seus limites
8. Sistema eleitoral e sistema de partidos

III - CONCLUSÃO, MESMO

1. Por uma manta de um tecido só: por uma alteração intensa, extensa e teluricamente embasada do tecido constitucional
2. Saberes intemporais
3. Balanço das vicissitudes constitucionais da III República: Transições constitucionais à moda de Sísifo
4. Que sistemática?
5. Que princípios fundamentais?
6. Que direitos fundamentais?
7. Que sistema de poderes?
8. Que modelos de fiscalização da constitucionalidade?
9. Que sistema de garantia da Constituição?
10. Que sistema eleitoral e que sistema de partidos?
11. Por uma Constituição reconciliadora do tecido social e político guineense: síntese dos consensos estabilizados e esquiva a certas opções perniciosamente fracturantes

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Morreu Cláudia Sousa, a primatóloga que mostrou que os chimpanzés também acumulam capital

Claudia Sousa 

Fonte: Público

Deu grande destaque aos chimpanzés da Guiné-Bissau nas suas investigações no terreno. A cognição dos primatas não humanos e a sua conservação no habitat natural estavam entre as suas áreas de interesse.

A primatóloga portuguesa Cláudia Sousa, da Universidade Nova de Lisboa, morreu de cancro esta segunda-feira, aos 39 anos. A investigadora dedicou-se sobretudo ao estudo dos chimpanzés da Guiné-Bissau e da Guiné-Conacri, onde esteve várias vezes em expedições. O corpo encontra-se em câmara ardente na Igreja Matriz da Figueira da Foz e o funeral será esta terça-feira a partir das 15h30, seguindo para o cemitério de Buarcos.

Cláudia Sousa doutorou-se em 2003 na Universidade de Quioto, sob orientação de Tetsuro Matsuzawa, uma autoridade mundial em primatologia. A sua tese de doutoramento versava sobre a capacidade cognitiva de os chimpanzés acumularem capital ou, por outras palavras, de fazerem um mealheiro. Para tal, em experiências no Instituto de Investigação de Primatas da Universidade de Quioto, a investigadora deu aos chimpanzés tokens(objectos que têm um valor simbólico) para pedirem frutas em troca – e que eles guardavam e só trocavam por alimentos quando queriam.

Na sua tese de doutoramento Cláudia Sousa mostrou que o sistema dostokens constituía uma nova metodologia para avaliar as capacidades cognitivas dos chimpanzés. Em particular, observou “a emergência de um comportamento único – ‘economizar’”, lê-se no resumo da tese. Ou seja, compreendem e têm noção do valor simbólico de certos objectos.
Em Portugal, só há primatólogas e não preenchem os dedos de uma mão. Além de investigar o comportamento e as capacidades cognitivas dos chimpanzés e de outros primatas não humanos, Cláudia Sousa tinha ainda entre as suas preocupações a conservação destes primatas no habitat natural e a sua interação com as populações humanas.

Mas a primatóloga também trocou muitas vezes o laboratório e as salas de aulas – era docente do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa desde 2001 – pelo trabalho de campo. Esteve por várias vezes na Guiné-Bissau para fazer o levantamento da distribuição dos chimpanzés no território, identificando a sua presença principalmente através de vestígios como ninhos, fezes e pêlos, e fazendo inquéritos às populações humanas para perceber por que razão eram caçados (concluindo-se que não era para serem comidos, mas para a venda como animais de estimação e, com esse dinheiro, comprarem-se objectos).

Quando ela e Catarina Casanova, outra primatóloga portuguesa que a acompanhou em 2006, na quarta visita à Guiné-Bissau, deram pela primeira vez de caras com chimpanzés no habitat natural, Cláudia Sousa descreveu-nos assim o encontro: “Já tínhamos vistos imensos chimpanzés bebés em casa das pessoas, mas na floresta, no habitat natural, nunca tínhamos visto. Ficámos emocionadas.”

Também foi à Guiné-Conacri inúmeras vezes, mais concretamente à estação de investigação de primatas na aldeia de Bossou, dirigida por Tetsuro Matsuzawa. Lá, Cláudia Sousa gravou, por exemplo, as vocalizações dos chimpanzés, para estudos sobre o que tentam comunicar. “Sabemos que identificam outros indivíduos pelo tom da voz, como nós”, disse-nos certa vez a primatóloga, acrescentando que também continuou a recolher dados sobre as esponjas que os chimpanzés constroem com folhas para beber água — “e a ver a transmissão desse conhecimento ao longo de gerações”.
Entre 2007 e 2011, Cláudia Sousa foi presidente da Associação Portuguesa de Primatologia. E antes, entre 2003 – quando nasceu a ideia da associação, durante a Primeira Conferência Internacional de Primatologia em Portugal – e 2007, foi a sua vice-presidente.

“Tive o privilégio de ela ter sido minha aluna há 20 anos, colega e amiga. Era uma investigadora e mulher fantástica, que deixa escola e seguidores – alunos que vão continuar o trabalho dela”, diz a antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, onde Cláudia Sousa fez a licenciatura e o mestrado.

“A professora Cláudia Sousa deixa-nos um testemunho importantíssimo de amor à ciência e entusiasmo pela investigação. Mesmo muito fragilizada pela doença, nunca parou de trabalhar com um entusiasmo contagiante e com projectos sempre novos”, refere por sua vez João Costa, director da FCSH, em comunicado. “A sua produção científica foi sempre notável, sendo este ano a vencedora do Prémio Santander de Internacionalização da Produção Científica, que será atribuído postumamente na Festa da FCSH.”

Ordidjanotando

Conheci a Professora Claudia Sousa através da Professora Margarida Fernandes ambas do departamento da Antropologia da Universidade Nova. Depois da primeira deslocação à Guiné-Bissau, e de ter reparado o papel importantíssimo do crioulo guineense ela sentia a necessidade de aprender a língua. Foi daí que marcamos assim várias aulas do crioulo, que culminou com uma aprendizagem partilhada pois graças a essa convivência aprendi muito sobre os chimpanzés da Guiné-Bissau.

Cláudia Sousa era docente do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH) desde 2001.
Hoje três dias depois do seu falecimento (29), descubro na web esta notícia que me deixou sobremaneira triste.

Paz a sua alma e votos de pesar à família