quarta-feira, 30 de abril de 2014

convite

Data: 30/04
Horário: 19h30
Local: Espaço Cultural Instituto Cervantes


Com a participação de:
- Jorge Amâncio, Poeta (Brasil)
- Zulu Araújo, Gestor Cultural (Brasil)
- Kori Bolívia, Poeta e Presidente da ANE -Associação Nacional de Escritores (Brasil-Bolivia)

Shirley Campbell Barr, nascida na Costa Rica, tem cinco livros de poesia e dezenas de poemas e artigos publicados em revistas, antologias e jornais em diversos países. Suas obras foram traduzidas para o Inglês, Francês e Português. Antropóloga, com mestrado em Cooperação Internacional, esta afro-costarriquense viveu não apenas no seu país natal, mas também no Zimbábue, El Salvador, Honduras, Jamaica, EUA e atualmente vive no Brasil. Ela tem sido atriz, professora, consultora em direitos humanos, gênero, HIV e através de recitais periódicos e conferências é uma ativista permanente da causa afro-descendente. Vem participando a mais de duas décadas em conferências, workshops e leituras de poesia difundido o seu trabalho, assim como contribuindo para os processos de mobilização e sensibilização das comunidades afro-descendentes.

Seu poema Rotundamente Negra, que dá nome ao seu primeiro livro, tem sido objeto de muitos estudos na América Latina e no Caribe e  tornou-se emblema de muitas organizações afro-descendentes e de mulheres na região. Seus trabalhos têm sido temas de pesquisa e vêm sendo utilizados como apoio em diversas universidades nos Estados Unidos; além disso, as obras Rotundamente Negra e Naciendo são usadas como material de apoio em cursos de Literatura costarriquense da Universidade da Costa Rica.

sábado, 26 de abril de 2014

"qual é o seu legado?"


Por: Geraldo Martins

Estou sentado no meu gabinete no Ministério da Educação, olhando para a agenda do dia que a minha Secretária acabara de colocar à minha frente, quando o estridente toque do telefone desviou a minha atenção. 

– Senhor Ministro – disse uma voz meio rouca do outro lado da linha – é do Protocolo da Presidência da República. Terá que estar no aeroporto às dez horas. O Presidente vai chegar.

Irritado, olhei para o relógio na parede à minha frente. Eram oito horas e trinta cinco da manhã. Sabia que, como tantas vezes no passado, o meu dia estava estragado e a minha agenda, minuciosamente preparada pela minha Secretária, tornara-se inútil. 

As viagens do Presidente Kumba Yalá tinham-se tornado numa desorganização, com chamadas telefónicas de última hora, correrias, anúncios da hora de chegada do avião que nunca se confirmavam, irritação dos embaixadores de países estrangeiros que deixavam de lado seus afazeres para passarem toda a manhã e, por vezes, todo o dia no aeroporto. Tudo isso refletia um pouco aquilo que era a Presidência de Kumba Yalá: improviso permanente.

O homem morreu e, com a sua morte, instalou-se a polémica. Quem era Kumba Yalá? Controverso e excêntrico, amado e idolatrado por uns, odiado por outros, Kumba Yalá era um político que não deixava ninguém indiferente. 

Conheci-o pessoalmente no início dos anos oitenta. Eu era ainda estudante no Liceu Nacional Kwame Nkrumah e Kumba Yalá era um quadro que tinha acabado de voltar ao país após concluir sua formação em filosofia em Portugal. A primeira vez que o vi, foi no átrio da residencial Ancar, onde moravam alguns professores cooperantes e também Guineenses. Kumba Yalá foi-me apresentado pelo meu mano Isaac Monteiro, na altura professor e subdiretor do Liceu Nacional Kwame Nkrumah. Vestia um fato escuro e envergava uma gravata de seda castanha.

Os nossos caminhos cedo se cruzaram. Estávamos ainda nos primórdios do pós-revolução e eu era um ativo militante da Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC). Enquanto responsável do Departamento de Superação Política e Ideológica da JAAC no liceu, organizava palestras para os estudantes, convidando dirigentes da JAAC e do PAIGC para falarem sobre os mais variados temas. A chegada de Kumba Yalá, que logo começou a dar aulas de filosofia no liceu, entusiasmou-nos, pois vinha reforçar o ‘pool’ de potenciais palestrantes, e isso era motivo de satisfação para mim e para os meus colegas, sobretudo porque o homem era visto como culto e com uma grande capacidade retórica. 

Kumba Yalá proferiu duas ou três palestras, a meu convite, e logo as suas palestras ganharam fama, devido à sua incursão fácil em várias áreas do saber, da história à filosofia e à ciência política, e ao seu discurso articulado e vibrante que contagiava todos os presentes, em cujos rostos se podia ler curiosidade e admiração com o desempenho do filósofo. 

Mas cedo também ficou claro que Kumba era controverso e provocador, sendo muitas vezes tentado a trilhar o caminho do confronto e da guerra de palavras com seus oponentes. Numa das palestras que organizei no antigo lar masculino (atual liceu Dr. Rui Cunha), Kumba Yalá, que na altura já era sub-director do Liceu Kwame Nkrumah, insurgiu em termos pouco apropriados contra o Dr. Alexandre Furtado, director do Liceu, e com quem andava em desavença. Fiquei embaraçado e no final da palestra disse-lhe que o que ele tinha dito deixava-me mal, enquanto organizador da palestra. 

Certa noite, tive o primeiro choque sério com ele, na presença do meu amigo Huco Monteiro. Havia organizado no liceu um sarau cultural com recital de poesia, música e discursos. Convidei o Kumba para a parte dos discursos. Infelizmente, o sarau não correspondeu às nossas expectativas. Poucas pessoas compareceram e o Kumba irritou-se e entrámos em discussão. Disse-me que não discutisse com ele porque era uma pessoa formada, ao que eu repliquei que isso não me complexava, pois sabia que também seria formado e na idade certa.

Por alguma razão que nunca entendi, ele gostava de mim. No ano seguinte, eu dava aulas de formação militante no antigo QG, esperando uma bolsa de estudos, e o Kumba também dava aulas de filosofia ali. Cruzávamos frequentemente na sala dos professores, onde costumávamos conversar. Ele convidava-me regularmente, durante os intervalos em que ambos não tínhamos aulas, para irmos tomar o pequeno almoço (que ele pagava) no hotel 24 de Setembro e, durante esses pequenos almoços, discorria longamente sobre a política e criticava várias individualidades. Curiosamente, estava sempre a criticar o Dr. Viriato Pã, o advogado que tinha acudido ao apelo do Presidente Nino Vieira para o regresso de quadros à Guiné, e que na altura exercia a função de Procurador Geral da República. Eu debatia-me para entender o que o opunha ao Viriato Pã, mas não percebia. 

Uma manhã tinha eu acabado de chegar à sala dos professores quando me disseram que o Kumba andava desesperadamente à minha procura. Quando minutos mais tarde nos vimos, ele lançou:

– Nka kontau, nka kontau, kuru di PAIGC i suma baloiço. Ora ku bu bai riba, ka bu ri, pabia bu na bim bas !!

Com esta metáfora, ele referia-se à prisão na noite anterior do Viriato Pã, que mais tarde acabou por ser envolvido no caso 17 de Outubro, como se sabe. 

Anos mais tarde, os nossos passos voltaram a cruzar-se na política. Nas eleições de 1994, estávamos na mesma aliança. Kumba Yalá era um político corajoso, que desafiava o poder como poucos, o que, no contexto da abertura política na época, lhe valia uma grande admiração por parte de muitos que o julgavam capaz de quebrar tabus e de enfrentar os pesadelos da autocracia reinante. Os seus discursos incendiários arrastavam multidões, e muitos, incluindo eu próprio, viam nele o homem que podia encarnar a mudança que se desejava. Entre as duas voltas das eleições presidenciais daquele ano, tornei-me seu homem de comunicação, tendo dirigido a preparação de todos os seus tempos de antena, quer na rádio quer na televisão. Confesso que sou autor da frase que ficou célebre nessas eleições:

Kumba Yalá, homi ku Guiné misti; dia 7 di Agosto, vota Kumba Yalá!!!

Kumba Yalá não chegou ao poder nesse ano. Só em 2000, nas eleições que se seguiram ao conflito politico-militar de 1998-99, ele viria a ser eleito Presidente da República com 73% dos votos, tornando-o Presidente mais bem eleito na história política da Guiné-Bissau. 

Apesar das extravagâncias que o caracterizavam (como o uso do barrete vermelho) e de algumas incoerências da sua acção política, que se tornavam visíveis a cada dia, ainda havia uma esperança no político jovem, bem formado e com muita energia. 
Infelizmente, sua Presidência foi uma decepção. Kumba Yalá nunca conseguiu despir o fato de opositor para vestir o de Homem de Estado. A sua Presidência foi marcada por uma grande instabilidade governativa, com sucessivas mudanças de primeiro ministro e remodelações governamentais (os famosos decretos presidências de Kumba Yalá) que não respeitavam quaisquer critérios politicamente aceitáveis, bem como pelo virar das costas da comunidade internacional à Guiné-Bissau, por falta de confiança no rumo do país.

Eu servi o país como ministro da educação durante quase dois anos sob sua Presidência. Sempre mantivemos uma relação de cordialidade e de respeito mútuo, embora não concordasse com muitas das suas decisões e atitudes. 

Havia também em Kumba Yalá um lado cômico, que ele levava por vezes ao extremo, e que era interpretado por uns como expressão de simplicidade e de humanismo e por outros como a caricatura do poder ou a banalização da função presidencial. Lembro-me das gargalhadas que dava quando chegava à Presidência de manhã, e que provocavam risos incontidos dos ministros na sala do Conselho de Ministros, ou ainda das suas invectivas teatrais contra os opositores, imitando gestualmente um ou outro ou reproduzindo com ironia seus discursos.

O esmorecer da sua aura começou com o seu afastamento da Presidência pelos militares, num golpe de Estado extremamente caricato. Depois, perdeu a confiança do eleitorado e nunca mais conseguiu alargar a sua base eleitoral, passando a ser visto cada vez mais como um problema do que uma solução, até se ter dado conta que ‘há tempo para tudo’ com a sua última decisão política de não se candidatar às eleições do passado dia 13 de Abril.

A última vez que o vi, foi em finais de Novembro de 2013, quando fui a Bissau em missão de preparação do projeto do Banco mundial para pagamento dos salários dos professores e do pessoal de saúde. Pareceu-me bem disposto e, como sempre, chamou-me pelo mesmo nome com que me costuma chamar ¬– PCD (em referência ao Partido da Convergência Democrática, de que fui militante e dirigente durante o período da abertura política). Abraçamo-nos e ele disse-me que fazia tempo que não me via, mas que sempre perguntava por mim.

Quando um político desaparece, a questão fundamental que se coloca é esta: qual é o seu legado?

No caso do Kumba Yalá, creio que o seu legado político pode resumir-se à seguinte frase: ‘Um político que a dado momento encarnou a esperança de um povo; uma esperança que, infelizmente, nunca se concretizou. 
Dr. Kumba Yala
Seja como for, Kumba Yalá marcou para sempre a política na Guiné Bissau.'
Paz à sua alma.
As minhas condolências à família enlutada.

Dakar, 25 de Abril de 2014

quinta-feira, 24 de abril de 2014

CONVITE

Nesta quinta feira (24/04), o novo filme do diretor Sílvio Tendler, O veneno está na mesa 2, será lançado em Brasília. O evento acontece no Auditório principal do Museu Nacional de Brasília, próximo a Rodoviária do Plano Piloto, às 19h.
Após a exibição, haverá um debate com representantes da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela vida.

O veneno está na mesa dos brasileiros, o país que mais consome agrotóxicos no mundo. No entanto, há alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. É essa mensagem que o novo documentário do diretor Silvio Tendler pretende transmitir.

O primeiro filme seguiu um caminho alternativo de exibição através da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. A recepção foi surpreendente e o documentário foi visto por mais de um milhão de pessoas.

“O povo brasileiro não pode mais engolir essa história de que o agronegócio é a modernidade no campo. Ele gera câncer, trabalho escravo, e manda todo seu lucro para o exterior", disse Alan Tygel, da coordenação nacional da campanha contra os agrotóxicos.

Segundo Alan, a Campanha contra os agrotóxicos assumiu como missão levar o filme para "todos os cantos deste país, aos acampamentos, assentamentos, escolas, universidades, igrejas, e onde houver cidadãos e cidadãs preocupados com a saúde do povo e dispostos a lutar por um modelo de produção de alimentos saudáveis para o camponês e para o consumidor", afirma.

Serviço:
Quando: Quinta – feira (24/04/2014)
Local: Museu Nacional da República, próximo a Rodoviária do Plano Piloto
Horário: 19h - Entrada gratuita
Mais informações:
Fábio Miranda – (61) 81851355

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Carta de despedida de GABRIEL GARCIA MARQUEZ.

“Se, por um instante, Deus se
esquecesse de que sou uma marionete
de trapo e me presenteasse com um
pedaço de vida, possivelmente não diria
tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que
a cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais parassem,
acordaria quando os outros dormem.
Escutaria quando os outros falassem
e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço
de vida vestiria simplesmente, me
jogaria de bruços no solo, deixando
a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração,
escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre estrelas um poema de Mário Benedetti
e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua.
Regaria as rosas com minhas lágrimas
para sentir a dor dos espinhos e o
encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!…
Não deixaria passar um só dia sem
dizer às gentes- te amo, te amo.
Convenceria cada mulher e cada homem
que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão
enganados ao pensar que deixam de se
apaixonar quando envelhecem, sem saber
que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma criança, lhe daria asas, mas
deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não
chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens…
Aprendi que todo mundo quer viver no
cimo da montanha, sem saber que a
verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com sua pequena mão pela
primeira vez o dedo do pai, o tem prisioneiro para sempre.
Aprendi que um homem só tem o direito
de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender
com vocês, mas, finalmente não poderão
servir muito porque quando me olharem
dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo”

Morreu o pai do realismo mágico

Gabriel García Márquez nasceu em 1928 na pequena cidade de Aracataca, na Colômbia. Cresceu ao lado de seu avô materno, um coronel da guerra civil no princípio do século. Estudou num colégio jesuíta e posteriormente iniciou o curso de Direito, logo abandonado em virtude de seu trabalho como jornalista. Em 1954 foi para Roma, como correspondente do jornal onde escrevia, e desde então tem vivido em cidades como Paris, New York, Barcelona e México, em um exílio mais ou menos compulsório. Apesar de seu talento como ficcionista e premiado escritor, continua exercendo a profissão de jornalista.

Em 1961, recebeu o Prêmio Esso de Literatura Colombiana, em 1971 foi declarado "Doutor Honoris Causa" pela Universidade de Colúmbia, em em Nova York; em 1972, recebeu o Prêmio Rômulo Gallegos. Em 1981, o governo francês concedeu-lhe a condecoração "Légion d'Honneur" (Legião de Honra).
No dia 21 de outubro de 1982 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, quinze anos depois de ter escrito "Cem Anos de Solidão", seu maior sucesso, traduzido em 35 idiomas e com venda calculada em mais de 30 milhões de exemplares.

BIBLIOGRAFIA:

Romances, contos e crônicas:
· Folhas mortas
· Ninguém escreve ao coronel
· Cem anos de solidão
· Doze contos peregrinos
· O general em seu labirinto
· O amor nos tempos do cólera
· A aventura de Miguel Littin clandestino no Chile
· Cheiro de Goiaba: Conversas com Plinio Apuleyo Mendoza
· Como Contar um Conto
· Crônica de uma Morte Anunciada
· Do Amor e Outros Demônios
· O Enterro do Diabo: A Revoada
· Entre Amigos
· Os Funerais da Mamãe Grande
· A Má Hora (o Veneno da Madrugada)
· A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada
· Olhos de Cão Azul
· O Outono do Patriarca
· Relato de um Náufrago
· Oficina de Roteiro de Gabriel García Márquez: Me Alugo Para Sonhar
· Notícia de um seqüestro
. Viver para contar (memórias)
. Memórias de minhas putas tristes
. Obra jornalística - Vol. 1 - Textos caribenhos
. Obra jornalística - Vol. 2 - Textos andinos.
. Obra jornalística - Vol. 3 - Da Europa e da América, 1955 1960
. Obra jornalística - Vol. 4 - Reportagens políticas
. Obra jornalística - Vol. 5 - Crônicas

Infanto-juvenis:

. A última viagem do navio fantasma
. Maria dos prazeres
. A sesta da terça-feira
. A luz é como a água
. Um senhor muito velho com umas asas enormes
. O verão feliz da senhora Forbes



Conto: Um senhor muito velho com umas asas muito grandes
No terceiro dia de chuva tinham matado tantos caranguejos dentro de casa que Pelayo teve de atravessar o seu pátio inundado para atirá‑los ao mar, pois o bebé recém‑nascido tinha passado a noite com febre e pensava‑se que era por causa da pestilência. O mundo estava triste desde terça‑feira. O céu e o mar eram uma única e mesma coisa de cinza e as areias da praia, que em Março resplandeciam como poeira de luz, tinham‑se transformado numa papa de lodo e mariscos podres. A luz era tão fraca ao meio‑dia que, quando Pelayo regressava a casa depois de ter deitado fora os caranguejos, teve dificuldade em ver o que era que se movia e gemia no fundo do pátio. Teve de aproximar‑se muito, para descobrir que era um homem velho, que estava caído de borco no lodaçal e que, apesar dos seus grandes esforços, não podia levantar‑se, porque lho impediam as suas enormes asas.

Assustado por aquela visão aflitiva, Pelayo correu em busca de Elisenda, sua mulher, que estava a pôr compressas ao bebé doente, e levou‑a até ao fundo do pátio. Ambos observaram o corpo caído com um silencioso pasmo. Estava vestido como um trapeiro. Não lhe restavam mais do que uns fiapos descoloridos no crânio pelado e pouquíssimos dentes na boca, e essa lastimosa condição de bisavô ensopado tinha‑o desprovido de qualquer grandeza. As suas asas de abutre velho, sujas e meio depenadas, estavam encalhadas para sempre no lodaçal. Tanto o observaram, e com tanta atenção, que Pelayo e Elisenda muito rapidamente se recompuseram do assombro e acabaram por achá‑lo familiar. Então atreveram‑se a falar‑lhe, e ele respondeu‑lhes num dialecto incompreensível, mas com uma boa voz de navegante. Foi por isso que deixaram de preocupar‑se com o inconveniente das asas e chegaram à sensata conclusão de que era um náufrago solitário de algum navio estrangeiro, desfeito pelo temporal. Contudo, chamaram, para que o visse, uma vizinha que sabia todas as coisas da vida e da morte, e a ela chegou‑lhe um olhar para tirá‑los do engano.

‑ É um anjo ‑ disse‑lhes. ‑ Com certeza vinha por causa da criança, mas o desgraçado está tão velho que a chuva o fez cair.

No dia seguinte toda a gente sabia que em casa de Pelayo tinham cativo um anjo de carne e osso. Contra o critério da vizinha sábia, para quem os anjos destes tempos eram sobreviventes fugitivos de uma conspiração celestial, não tinham tido coragem para matá‑lo à paulada. Pelayo esteve toda a tarde a vigiá‑lo, da cozinha, armado com o seu garrote de aguazil, e, antes de deitar‑se, tirou‑o de rastros do lodaçal e fechou‑o com as galinhas no galinheiro alambrado. À meia‑noite, quando terminou a chuva, Pelayo e Elisenda continuavam a matar caranguejos. Pouco depois o menino acordou, sem febre e com desejos de comer. Então sentiram‑se magnânimos e decidiram pôr o anjo numa balsa com água doce e provisões para três dias e abandoná‑lo à sua sorte no mar alto. Mas, quando foram ao pátio com as primeiras claridades, encontraram toda a vizinhança em frente do galinheiro, divertindo‑se com o anjo, sem a menor devoção e a atirar‑lhe coisas para comer pelos buracos dos alambres, como se não se tratasse de uma criatura sobrenatural, mas sim de um animal de circo.

O padre Gonzaga chegou antes das sete, alarmado pela desproporção da notícia. A essa hora já tinham acorrido curiosos menos frívolos que os do amanhecer e tinham feito toda a espécie de suposições sobre o futuro do cativo. Os mais simples pensavam que seria nomeado alcaide do mundo. Outros, de espírito mais austero, supunham que seria promovido a general de cinco estrelas, para que ganhasse todas as guerras. Alguns visionários esperavam que fosse conservado como reprodutor, para implantar na Terra uma estirpe de homens alados e sábios que se encarregassem do universo. Mas o padre Gonzaga, antes de ser cura, tinha sido lenhador vigoroso. Chegado aos alambres, fez uma rápida revisão do seu catecismo, e, entretanto, pediu que lhe abrissem a porta, para examinar de perto aquele varão de lástima que mais parecia uma enorme galinha decrépita entre as galinhas absortas. Estava deitado num canto, secando ao sol as asas estendidas, entre as cascas de frutas e as sobras de pequenos‑almoços que lhe tinham atirado os madrugadores.

Alheio às impertinências do mundo, mal levantou os seus olhos de antiquário e murmurou alguma coisa no seu dialecto quando o padre Gonzaga entrou no galinheiro e lhe deu os bons‑dias em latim. O pároco teve a primeira suspeita da sua impostura ao verificar que não compreendia a língua de Deus nem sabia cumprimentar os seus ministros. A seguir, observou que, visto de perto, tinha a aparência demasiado humana: tinha um insuportável odor de intempérie, o avesso das asas semeado de algas parasitárias e as penas maiores maltratadas por ventos terrestres, e nada da sua natureza miserável estava de acordo com a egrégia dignidade dos anjos. Então abandonou o galinheiro e, com um breve sermão, preveniu os curiosos contra os riscos da ingenuidade.

Recordou‑lhes que o Demónio tinha o mau hábito de servir‑se de artifícios de Carnaval para confundir os incautos. Argumentou que, se as asas não eram o elemento essencial para determinar as diferenças entre um gavião e um aeroplano, muito menos o podiam ser para reconhecer os anjos. No entanto, prometeu escrever uma carta ao seu bispo, para que este escrevesse outra ao seu primaz e para que este escrevesse outra ao Sumo Pontífice, de maneira que o veredicto final viesse dos tribunais mais altos.

A sua prudência caiu em corações estéreis. A notícia do anjo cativo divulgou‑se com tanta rapidez que ao cabo de poucas horas havia no pátio um alvoroço de mercado, e tiveram de levar a tropa, com baionetas, para espantar o tumulto, que já estava quase a deitar a casa abaixo. Elisenda, com o espinhaço torcido de tanto varrer lixo de feira, teve então a boa ideia de taipar o pátio e receber cinco centavos pela entrada para ver o anjo.

Vieram curiosos até da Martinica. Veio uma feira ambulante com um acrobata voador, que passou a zumbir várias vezes por cima da multidão, mas ninguém lhe ligou importância, porque as suas asas não eram de anjo, mas de morcego sideral. Vieram em busca de saúde os doentes mais infelizes do Caribe: uma pobre mulher que desde criança estava a contar os latejos do seu coração e já não tinha números que lhe chegassem, um jamaicano que não podia dormir porque o atormentava o ruído das estrelas, um sonâmbulo que se levantava de noite para desfazer as coisas que tinha feito acordado, e muitos outros de menor gravidade. No meio daquela desordem de naufrágio que fazia tremer a terra, Pelayo e Elisenda estavam felizes de cansaço, porque em menos de uma semana atulhavam de dinheiro os quartos de dormir, e, todavia, a fila de peregrinos que esperavam vez para entrar chegava até ao outro lado do horizonte.

O anjo era o único que não participava do seu próprio acontecimento. O tempo ia‑se‑lhe em procurar acomodação no seu ninho emprestado, aturdido pelo calor de inferno das lamparinas de azeite e das velas de sacrifício que lhe encostavam aos alambres. Ao princípio insistiram para que comesse cristais de cânfora, que, de acordo com a sabedoria da vizinha sábia, era o alimento específico dos anjos. Mas ele desprezava‑os, como desprezou, sem os provar, os almoços papais que lhe levavam os penitentes, e nunca se soube se foi por ser anjo ou por ser velho que acabou por comer nada mais que papas de berinjela.

A sua única virtude sobrenatural parecia ser a paciência. Sobretudo nos primeiros tempos, quando o espiolhavam as galinhas em busca dos parasitas estelares que proliferavam nas suas asas e os aleijados lhe arrancavam penas, para tocar com elas nos seus defeitos, e até os mais piedosos lhe atiravam pedras, tentando conseguir que se levantasse, para vê‑lo de corpo inteiro. A única vez que conseguiram perturbá‑lo foi quando lhe queimaram as costas com um ferro de marcar novilhos, porque havia tantas horas que estava imóvel que pensaram que estava morto. Acordou sobressaltado, disparatando em língua hermética e com os olhos em lágrimas, e bateu as asas duas vezes, o que provocou um remoinho de estrume de galinheiro e pó lunar e um vendaval de pânico que não parecia deste mundo. Apesar de muitos terem ficado convencidos de que a sua reacção não tinha sido de raiva, mas sim de dor, desde esse dia trataram de não o incomodar, porque a maioria compreendeu que a sua passividade não era a de um herói em gozo de boa reforma, mas a de um cataclismo em repouso.

O padre Gonzaga enfrentou a frivolidade da multidão com fórmulas de inspiração doméstica, enquanto lhe chegava um parecer decisivo sobre a natureza do cativo. Mas o correio de Roma tinha perdido a noção da urgência. O tempo ia‑se‑lhes a averiguar se o prisioneiro tinha umbigo, se o seu dialecto tinha alguma coisa a ver com o aramaico, se podia caber muitas vezes na ponta dum alfinete, ou se não seria simplesmente um norueguês com asas. Aquelas cartas de parcimónia teriam ido e vindo até ao fim dos séculos se um acontecimento providencial não tivesse posto um fim às tribulações do pároco.
Sucedeu que, por esses dias, entre muitas outras atracções das feiras ambulantes do Caribe, levaram ao povoado o espectáculo triste da mulher que se tinha convertido em aranha por ter desobedecido a seus pais. A entrada para a ver não só custava menos que a entrada para ver o anjo, mas ainda permitiam fazer‑lhe toda a espécie de perguntas sobre a sua absurda condição e examiná‑la pelo direito e pelo avesso, de maneira que ninguém pusesse em dúvida a veracidade do horror. Era uma tarântula espantosa do tamanho de um carneiro e com a cabeça de uma donzela triste.

Porém, o mais aflitivo não era a sua aparência de disparate, mas a sincera aflição com que contava os pormenores da sua desgraça; sendo quase uma criança, tinha‑se escapado de casa dos seus pais para ir a um baile, e, quando regressava pelo bosque, depois de ter dançado toda a noite sem autorização, um trovão pavoroso abriu o céu em duas metades e por aquela greta saiu o relâmpago de enxofre que a converteu em aranha. O seu único alimento eram as bolinhas de carne moída que as almas caritativas quisessem deitar‑lhe na boca. Semelhante espetáculo, carregado de tanta verdade humana e de tão temível castigo, tinha de derrotar, sem premeditação, o de um anjo despeitoso que mal se dignava olhar para os mortais. 

Além disso, os raros milagres que se atribuíam ao anjo revelavam uma certa desordem mental, como o do cego que não recuperou a vista mas a quem apareceram três dentes novos, o do paralítico que não pôde andar mas esteve quase a ganhar a lotaria e o do leproso a quem nasceram girassóis nas feridas. Aqueles milagres de consolação, que mais pareciam divertimentos de troça, já tinham enfraquecido a reputação do anjo quando a mulher convertida em aranha acabou de a aniquilar.
 Foi desta maneira que o padre Gonzaga se curou para sempre das insônias e o pátio de Pelayo voltou a ficar tão solitário como nos tempos em que choveu três dias e os caranguejos andavam pelos quartos.

Os donos da casa não tiveram nada que lamentar. Com o dinheiro arrecadado construíram uma mansão de dois andares, com balcões e jardins e com muros muito altos, para que não entrassem os caranguejos do Inverno, e com barras de ferro nas janelas, para que não entrassem os anjos. Pelayo instalou, além disso, uma criação de coelhos muito perto da povoação, renunciando para sempre ao seu mau emprego de aguazil, e Elisenda comprou uns sapatos acetinados com saltos altos e muitos vestidos de seda furta‑cor, como os que usavam as senhoras mais categorizadas nos domingos daqueles tempos.

O galinheiro foi a única coisa que não mereceu atenção. Se alguma vez o lavaram com creolina e nele queimaram as lágrimas de mirra, não foi para prestar honras ao anjo, mas para conjurar a pestilência de esterqueira, que andava como um fantasma por toda a parte e estava a tornar velha a casa nova. Ao princípio, quando o menino começou a andar, tiveram cuidado para que não estivesse muito perto do galinheiro. Mas depois foram‑se esquecendo do temor e acostumando‑se à pestilência, e antes que o menino mudasse os dentes tinha‑se habituado a brincar dentro do galinheiro, cujos alambres apodrecidos caíam aos bocados.

O anjo não foi menos desabrido para com ele do que para com o resto dos mortais, mas suportava as infâmias mais engenhosas com uma mansuetude de cão sem ilusões. Ambos contraíram a varicela ao mesmo tempo. O médico que tratou o menino não resistiu à tentação de auscultar o anjo e encontrou‑lhe tantos sopros no coração e tantos ruídos nos rins que não lhe pareceu possível que estivesse vivo. O que mais o assombrou, contudo, foi a lógica das suas asas. Pareciam tão naturais naquele organismo completamente humano que não podia compreender‑se porque não as tinham também os outros homens.

Quando o menino foi à escola, havia muito tempo que o sol e a chuva tinham desmantelado o galinheiro. O anjo andava a arrastar‑se por aqui e por ali, como um moribundo sem dono. Expulsavam‑no a vassouradas de um quarto e um momento depois encontravam‑no na cozinha. Parecia estar em tantos lugares ao mesmo tempo que chegaram a pensar que se desdobrava, que se repetia a si mesmo por toda a casa, e a exasperada Elisenda gritava, fora de si, que era uma desgraça viver naquele inferno cheio de anjos. Mal podia comer, os seus olhos de antiquário tinham‑se‑lhe tornado tão turvos que andava a tropeçar nas vigas que sustentavam o telhado e já não lhe restavam senão os ráquis pelados das últimas penas.

Pelayo atirou‑lhe para cima uma manta e fez‑lhe a caridade de o deixar dormir no alpendre, e só então repararam que passava a noite com febres, delirando, em tartamudeios de norueguês velho. Foi essa uma das poucas vezes em que se alarmaram, porque pensavam que ia morrer e nem sequer a vizinha sábia tinha podido dizer‑lhes o que se fazia com os anjos mortos.

No entanto, não só sobreviveu ao seu pior Inverno como até pareceu melhor com os primeiros sóis. Permaneceu imóvel durante muitos dias no canto mais afastado do pátio, onde ninguém o visse, e em princípios de Dezembro começaram a nascer‑lhe nas asas umas penas grandes e duras, penas de passarão velho, que mais pareciam um novo percalço da decrepitude. Mas ele devia conhecer a razão dessas mudanças, porque tinha todo o cuidado para que ninguém as notasse e para que ninguém ouvisse as canções de navegantes que às vezes cantava sob as estrelas.

Uma manhã, Elisenda estava a cortar rodelas de cebola para o almoço, quando um vento que parecia do alto mar se meteu na cozinha. Então assomou‑se à janela e surpreendeu o anjo nas primeiras tentativas do voo. Eram tão desajeitadas que abriu com as unhas um sulco de arado nas hortaliças e esteve quase a deitar abaixo o alpendre, com aqueles adejos indignos que escorregavam na luz e não encontravam apoio no ar. Mas conseguiu ganhar altura. Elisenda exalou um suspiro de alívio, por ela e por ele, quando o viu passar por cima das últimas casas, sustentando‑se de qualquer maneira com um agourento esvoaçar de abutre senil. Continuou a vê‑lo até ter acabado de cortar a cebola, e continuou a vê‑lo até quando já não era possível que o pudesse ver, porque nesse momento já não era um estorvo na sua vida, mas um ponto imaginário no horizonte do mar.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Eng.º Domingos Simões Pereira portador do enorme capital de esperança

Eldmir Barreto Faria
Por: Eldmir Faria

Nos trinta e nove anos de Independência, a Guiné-Bissau, guiado primeiramente por um sistema monopartidário e de seguida por um sistema de cariz democrático, tem sido fustigado por uma onda de corrupção e de nepotismo tanto ao nível da Administração Civil como da Administração Militar, obstaculizando o desenvolvimento do Estado e gerando desesperança no povo quanto a um desejável melhor futuro.

Em tal ambiente de imoralidade política e cívica, o processo de desenvolvimento económico e social sofreu um forte e preocupante atraso, pelo falhanço redondo de vários projetos, ora por inadequação com a realidade sociológica do país e, daí, não garante da sua sustentabilidade à luz de um prévio planeamento, ora por desvios de fundos que os tornavam inconclusivos.

A instabilidade instalou-se no país porque os atores da luta de libertação acomodaram-se ao Poder e aos benefícios deles recebidos, tendo bloqueado, muitas vezes de forma rebelde, as várias iniciativas de elementos mais capacitados da nova geração, esta justificadamente mais habilitada academicamente e, por isso, com uma visão mais realística da necessidade de mudanças rumo ao progresso social e económico, nova geração ciosa de elevar os índices de Desenvolvimento Humano do seu país, eliminando a extrema pobreza, o analfabetismo e as práticas cívicas típicas e retrógradas.

A Independência da Guiné-Bissau em vez de suscitar desenvolvimento e felicidade para o seu Povo, traduziu antes um retrocesso civilizacional que se referencia em miséria geral e em conspirações redutoras das consciências e impondo instabilidade emocional e medo.

Neste momento, deseja-se para a Guiné-Bissau uma personalidade intelectualmente capacitada, de espírito verdadeiramente patriótico, não-alinhado com a cultura mítica gerada durante a Luta de Libertação Nacional, de consciência livre e aberta às necessidades efetivas de mudança, enfim, uma personalidade com experiência nas questões sociais e políticas, que se cole ardentemente às aspirações do seu povo.

Em vista a uma Independência real e a um equilibrado desenvolvimento político, social, económico, educativo e cultural, a Guiné-Bissau clama por uma personalidade capaz e qualificada para orientar a sua governação, travando os vícios deprimentes e catastróficos dos elementos configurados no Poder até então vigente, sendo a nosso ver a forma de alcançar uma Democracia de qualidade e cumpridora de facto das aspirações do povo guineense.

Esta personalidade messiânica assenta bem na figura do Eng.º Domingos Simões Pereira, pela sua vincada e perfeita personalidade e carácter, pela sua preparação académica e pelo seu currículo político e profissional desenvolvido nas instituições tanto nacionais como internacionais.

É, pois, esta a visão generalizada e de cidadania da Diáspora guineense que, perante as recentes Eleições Presidenciais e Legislativas, viu o Povo em sapiência e livremente escolher a personalidade citada e que entende ser o Guia ideal para conduzir à Nova Esperança da Guiné-Bissau.

Neste sentido, a eleição do Eng.º Domingos Simões Pereira é um depositar de esperança do povo guineense numa figura confiável e que lhe é muito querida, pela excelência das suas  qualidades humanas, daí, transferir-se para este Ilustre filho de Farim e formado nos valores  das gentes de Cacheu, em suma, um filho autêntico da Guiné-Bissau na sua diversidade étnico-cultural, inspira a verdadeira confiança de todo o povo, daí, a responsabilidade do melhor cumprimento da nova missão e corresponder com dimensão humana e patriótica o capital de nova esperança que o Povo nele deposita.

Por isso e por tudo, Camarada Domingos, a tua hora chegou e o povo sofrido da nossa terra ao confiar em ti vai querer que sejas FORTE e DURO, para cumprires os passos da tão desejada mudança, pelo que ocorre-me neste momento clamar: FORÇA MATCHU!

Eng. Domingos Simões Pereira 

VIVA GUINÉ BISSAU POSITIVA!
VIVA CAMARADA DOMINGOS SIMÕES PEREIRA!
VIVA OS VERDADEIROS VALORES DA GUINENDADE!

Resultado provisório das eleições Presidenciais e Legislativas


Resultado provisório das eleições Presidenciais e Legislativas  

José Mario Vaz : 252.269 - 40,98%
Nuno Nabiam: 154.784 - 25,14%
Paulo Gomes: 60.483 - 9,87%

Total dos eleitores: 615.654 votos 


Legislativas 


PAIGC: 55 mandatos
PRS: 41 mandatos 
PCD: 2 mandatos
PRD: 1 mandato
UM: 1 mandato 
Através da Radio Sol Mansi nº1 da Guiné-Bissau

terça-feira, 15 de abril de 2014

Orgulho de ser guineense!!!

Incanha Chife
Por: Incanha Chife

Sobre a Doutora Ana Gomes, EURODEPUTADA, que acusa a CEDEAO de ter patrocinado o 12 de Abril. A Doutora Ana Gomes ainda sugeriu que a as personalidades guineenses saberiam as consequências que poderiam advir se se registasse algum episódio de instabilidade ou se eventualmente recusassem os resultados eleitorais (nas entrelinhas) ou se estivessem na origem de qualquer outro ato que perturbasse o clima de serenidade que precedeu e perdurou durante o ato eleitoral.

Ora bem Doutora, muito lhe agradecemos o facto de há algum tempo ter sugerido ao Governo Português que "sujasse as mãos" (julgo eu que se trata de sujar as mãos de sangue - paráfrase minha). Tanto que vieram navios e aviões militares (incluindo um avião de vigilância - avião espião) supostamente para ajudar num (eventual) resgate e evacuação de refugiados (avião espião). A CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) e a ECOWAS (Economic Community Of West African States), senhora Doutora, a serem duas organizações (cá para mim as duas siglas correspondem apenas a uma organização, sendo uma sigla francesa/portuguesa e a outra inglesa, confirme aqui DOUTORA: http://observatorio-lp.sapo.pt/pt/geopolitica/BPR/cdeao). Para lhe facilitar a leitura, o site está escrito em português. A "CEDEAO e a ECOWAS" sabe(M) o que se passa na Guiné Bissau (GB).

Pessoalmente lamento os sucessivos golpes e perturbações das legislaturas e dos mandatos presidenciais protagonizados por alguns dos nossos concidadãos. Isso tem de ter um fim. Mas também a comunidade internacional, nossa amiga, tem de ensinar as regras da democracia aos nossos dirigentes que se coíbem de pedir votos ao povo e mal são eleitos, não evitam "tiques ditatoriais" e a corrupção. Mas, para ser curto e claro, DOUTORA, saiba que a calma e a serenidade que reinou no período a que V. Excia. faz referência é o resultado da vontade dos guineenses de uma mudança profunda. O povo expressou-se nas campanhas e na votação DOUTORA.

Cerca de 80% dos recenseados foram votar e expressar que querem uma mudança democrática genuína. Isso é resultado do medo? O povo guineense ou pelos menos a maioria de nós, dispensamos os discursos mesquinhos e paternalistas que algumas personalidades gostam de lançar quiçá para se manterem na luz da ribalta. A DOUTORA veio "vigiar" as eleições, claro tinha de aparecer na TV a trabalhar. Se tinha de ser vista na TV, tinha de dizer algo pomposo. E disse. A DOUTORA sabe bem quem pode estar a promover a instabilidade na GB. A CEDEAO nunca acolheu e deu guarida a um Presidente da República da Guiné Bissau que convocou exércitos estrangeiros para atacar o seu próprio povo e exército.

O Presidente voltou depois (Dom Sebastião), e deu no que deu. Isso é estabilidade? Sabe o que a França fez aos os "genocidas" do Ruanda? Levou-os a Tribunal. Quem deu guarida a um "assassino confesso" de um Presidente da República em exercício das funções para as quais tinha sido eleito? Esse indivíduo, ao que consta, teria voltado ao país e provocado mais uns tiroteios em consequência dos quais morreram jovens e militares guineenses. Isso é estabilidade? As diferentes versões deste episódio estão por ser clarificadas.

Mas nesta data é o que consta. Esse indivíduo foi julgado e condenado em tribunal. Quem deu guarida a dirigentes que, estando lá, "andam por cá" instigando (ou eles ou os seus acólitos), lançando boatos para instabilizar as eleições e assim dar pretexto para eventuais bombardeamentos (de quem deveria sujar as mãos) contra guineenses? Passeie um bocado pela net e verá que uma forte campanha que visou unicamente adiar as eleições (e provocar as outras consequências) foi levada a cabo por gente que numa primeira fase não residia em nenhum país da CEDEAO.


A morada deles num país que V. Excia conhece bem não é segredo. Quem deu guarida a perturbadores que "estando lá", "andam por cá" inventando factos contra pobres cidadãos estrangeiros nossos amigos e contra personalidades guineenses (não julgadas e condenadas em Tribunal), ensinando as pessoas como fabricar coktail's molotov's, tentando pôr os nossos nobres concidadãos felupes contra os nossos nobres concidadãos balantas?

Ordidjanotando

Quando acabei de ler este pertinente texto de opinião do irmão, camarada e amigo de longos anos, Incanha Chife, veio-me uma enxurrada de alegria, que me encheu de orgulho de ser guineense. Como o tempo é amigo, e faz-nos ver os que realmente querem que vivamos em Paz, na Guiné, e os que nos querem ver de costas voltadas. Costumo dizer, que não fomos nós que matamos Jesus Cristo, por isso merecemos viver felizes e em tranquilidade como todos os povos de bem! 

O exemplo de cidadania e espirito democrático foi dado de forma natural pelo provo guineense e, podem tentar nos massacrar, espezinhar ou mesmo deitar a baixo, com discursos que espelham recalques neocolônias, mas nada nos fara perder o foco, pois continuaremos a ser um povo capaz de mostrar ao mundo, a nossa maturidade política. Viva o Povo da Guiné-Bissau!!!

Bem haja!!!

Crónicas de Bissau

Huco Monteiro
Por: Huco Monteiro

É quase uma da manha, a barulhenta Bissau e maioria das localidades do país dormem. Até Bambu, a inevitável discoteca do DJ Mangui tem as luzes apagadas. Noite de facas longas? Kim ku sibi! Ontem fomos às urnas e o bom povo guineense fluiu em massa nas diferentes mesas capilarmente espalhadas pelo território nacional. Bravo à organização. Os membros da mesa já estavam nos locais pelas cinco da manhã e à votação começou às 7 em ponto. Não obstante alguns problemas verificados, quais sejam cadernos eleitorais defeituosos e que dificultam a detecção rápida do nome de um eleitor na lista, falta de boletins, a impreparação politica técnica e cívica de alguns escrutinadores, globalmente, assistimos, mais um exemplar e aceitável ato eleitoral. 


Não tenho cifras relativas à taxa de participação mas posso testemunhar uma extraordinária afluência às urnas. O povo tinha vontade de dizer o seu veredicto, numa transição em que em poucas ocasiões quisemos saber a sua opinião, ele que é detentor da soberania e fonte legitimadora dos poderes. Nim purmeru galu ka kanta ba inda, já havia pessoas a marcarem o seu lugar na bicha: pega forma, suma na tempu di Armazém do povo. Queriam votar.

Estas foram as eleições mais testemunhadas, senão mais biciadas(tradução:vigiadas)  da história política deste país. Cerca de seiscentos observadores estiveram presentes e quadrilharam todas as assembleias de voto previstos pela CNE. Justamente, e pela primeira vez, o escrutínio foi seguido por uma observação nacional, reforçando a credibilidade dos resultados que vão sair desta importante consulta política. Até aqui, as vozes foram unânimes em admitir que o processo decorreu num ambiente de civismo. Não houve pressões, nem intimidações nem tentativas ostensivas de fraude.

Pelas 17 horas, fiz uma ronda em alguns bairros. Mas elegi Pilum, Nghala e Antula para assistir à contagem dos votos e publicação dos resultados afim de inferir a tendência a nível nacional. Em 2008, eu tinha feito a mesma coisa e pelas 11 da noite estava eu a prognosticar/anunciar uma maioria "qualificada" do PAIGC no novo parlamento. Houve muito descontentamento. Só a CNE é, e está mandatáda a proclamar os resultados. Mas assim foi, através das diferentes atas publicadas nos "pé di mango" ou outros murais improvisados junto das assembleias de voto. Prognóstico, com base em resultados parcialmente obtidos. Hoje, já não ouso fazer isso, dado às minhas novas funções na CEDEAO. 

Por isso limito-me a estas crônicas, através do meu telemóvel. I ka vontadi ku faltam de me dar a este exercício que anos a fio ensino na minha universidade, no âmbito da cadeira das políticas públicas. Porém os ensinamentos são os mesmos. Pilum e Missira configuram as tendências que vamos encontrar em Oio, Cacheu, Bafata e Gabu, as maiores regiões eleitorais da Guiné, após Bissau. Em Antula consigo deslumbrar a correlação de forças entre os dois maiores partidos do espectro político eleitoral. 

As principais lições deste exercício são: 
1. Uma expressiva participação dos leitores
2. Notável afluência das mulheres e dos jovens
3. O voto muçulmano foi influenciado pelo Congresso de Cacheu
4. O voto de Pilum informa/prediz a configuração de Bafata e Gabu
5. Haverá uma acentuada bipolarização no parlamento, em detrimento da representação de pequenas formações
6. Paradoxalmente, o partido vencedor vai dispor de uma maioria que lhe permita dominar o parlamento (E asfixiar o jogo democrático e o princípio do contraditório? Renunciar a consultas e a entendimentos? Repetir a gestão autista e por vezes autoritária? Tenho esperança que não. Somos uma pátria siti ku liti.)

E agora, o que vai acontecer amanhã. Nim muru nin djambakus ka sibi. Noite de facas longas. Kada Kim na findji durmi. Kilis ku durmi iabri um udju. O problema da Guiné é o pós-eleições. Os guineenses só aceitam resultados quando estes vão ao seu favor. Nem todos. O meu primo Nando Vaz já reconheceu que não fez bons resultados e declarou, ter telefonado àquele que ele pensa que vai ganhar. Gesto nobre e meritório de menção da parte daquele que foi certamente o mais criticado entre os líderes da transição. E os outros? Agora são duas da manhã. A noite êxito longa. Vou também dormir mas deixando um olho e os ouvidos no portão a escutar coisas de kuíus que espantam padidas, aliás guineenses. Paransa Deus sol mansi. Paransa Deus Guiné bida pátria siti ku liti ku udju na futuro, suma na sunhu di Cabral. 

Caros irmãos, sejam indulgentes aos erros que notarem, pois é difícil escrever textos longos num telemóvel.

sábado, 12 de abril de 2014

A FRENÉTICA CORRIDA AO PODER: QUE ARGUMENTOS?

Ricardo Rosa

Por: Ricardo Rosa

Passados sensivelmente dois anos após a última ida às urnas que não resultaram em nada, uma vez que o processo foi abruptamente interrompido por um golpe de estado, uma vez mais o país se encontra confrontado com um cenário de eleições e, desta vez, eleições gerais, ou seja, num único dia a população eleitora vai ter que escolher o futuro Presidente da República e os seus representantes na Assembleia Nacional.

Sem querer aqui tornar-me repetitivo, embora o país não sofrera transformações significativas no sentido crescente que justificasse uma outra realidade, começo por evidenciar que na senda de uma transformação da mentalidade reprimida pelo regime anterior à passagem para a democracia, a sociedade guineense começou a perceber que com esta nova realidade existem novas figuras com as quais normalmente ela não era confrontada, particularmente, a sua responsabilidade face ao estado. O cidadão era cidadão e ponto final. Direitos altamente condicionados. E agora ele pode escolher. Uma responsabilidade que não fazia parte da sua competência.

1994 foi o ano das primeiras eleições por sufrágio direto e universal. Eleições livres e transparentes, onde o cidadão eleitor foi confrontado com exercício da responsabilidade de escolher, como hoje, o Presidente da República e os Deputados da Nação. Recordo-me que no momento, apesar das brilhantes intervenções dos jovens políticos de então e das novas forças político-partidárias criadas, momentos de ousadia, a população foi às urnas num ambiente de medo. Haviam ameaças de morte dirigidas a políticos e ao pessoal ligado ao processo eleitoral e, apesar da vitória do regime dominante, pela primeira vez o Presidente mas, sobretudo, os deputados foram diretamente escolhidos pelo povo e não pela militância no partido único e exclusivo de outrora. E o povo escolheu outros que não os mesmos da militância. Assembleia do não senhor!

Este marco histórico para o país, como foi a independência, pôs fim à legitimidade constitucional de um grupo ser dono e senhor de toda uma população, executando-a se fosse necessário. As ideias começaram a florescer quer na Assembleia Nacional Popular como também no Governo, pois que havia um programa votado e fiscalizado. Era o início do jogo político-democrático.

Com a fatídica guerra de 7 de Junho de 1998, a democracia foi barbaramente violentada. Um golpe de estado ao estado de direito democrático instituído. «Passamos em quatro anos de bestial a besta» exclamava! Mas de golpe ninguém falou, a comunidade internacional apadrinhou e a população aplaudiu. Portugal até condecorou. Numa lógica de “levar a liberdade onde ela não existe”. Futuros meticulosamente desenhados para o recomeço do país, assim se publicitava. Apesar da destruição, inclusive do Palácio da República, o espírito de reconstrução nacional reinava. Pouco durou, em 2003 novo golpe de estado. A comunidade internacional que havia formalmente oficializado não mais tolerar golpes, continuou no seu rolo de padrinho. Novas eleições em 2004 e 2005. 

Novo golpe de estado em 2009. O Presidente da República democraticamente eleito foi animalescamente assassinado. A comunidade internacional exigiu eleições presidenciais antecipadas e o assunto ficou arrumado. De golpe ninguém falou. De militares muito menos. A quem julgar? O mal menor começou.

E porque o mal é sempre mal, menor ou maior, em 2012 novo golpe de estado. Agora no decurso de umas eleições presidenciais antecipadas, consequência da morte do então Presidente da República, também democraticamente eleito. A comunidade internacional condenou intransigentemente e ordenou a reposição da legalidade constitucional, com os seus acessórios e tudo, contra sanções a todos os níveis, incluindo a ajuda direta às populações, que em situações normais já sofrera. Que motivações? Pois que se desde 1998 tivessem tido esta postura talvez hoje estivéssemos a discutir outros assuntos. Mas mais vale tarde do que nunca. Com coerência, sobretudo.

Tal como nas eleições de 2012, também nestas de 2014 assistimos a um esbanjamento de dinheiro superior ao PIB, num cenário socioeconómico de calamidade generalizada, sectores públicos e privados inoperantes, greves particularmente na saúde e na educação, salários não pagos, ajuda à população consideravelmente insuficiente. Mas muito dinheiro a circular. Eleições de dinheiro, de muito dinheiro. A troco do quê? Estamos a falar de candidaturas a profissões altamente compensatórias. Aliás, as mais compensatórias do país. “Bu vida ta resolvi la”. Todo o investimento é pouco. 

Ideias e programas são marginalizados. É preciso dinheiro, muito dinheiro. O eleitor vota no dinheiro, no ronco dos materiais de campanha, na demonstração de força, quando devia ser de razão. Ideias e programas para quê? A população não precisa. Ela só é convidada para os atos de lançamento dos manifestos e programas mesmo se for no dia do ato eleitoral. O voto é para o dinheiro e não para o manifesto nem para o programa. Discussão prévia? Não obrigado!

A sociedade é portanto confrontada, neste momento ímpar do exercício da sua cidadania, da sua responsabilidade de escolher, optar, com uma forte instabilidade emocional. Com medos e incertezas. Mas com a esperança de um amanhã diferente de ontem. De uma inspiração divina para se proteger, por mais uns anos, quem sabe. De uma realidade diferente da anarquia absoluta, indissociável da instabilidade política e militar vivida. Do autoritarismo e totalitarismo. Sem aspiração neocolonialista. Que o dinheiro seja legalmente e merecidamente ganho pelo trabalho. Que as instituições do estado não sirvam de capote jurídico para a fuga à justiça. Enfim, esperança de uma sociedade que comece a preocupar-se com o melhor e não com o mais.

Pela ausência do debate político público, pela falta de respeito dos políticos à sociedade, pelas inverdades que se tornaram vectores principais de campanha, a todos os cidadãos eleitores o dever de melhor escolher, porquanto ser uma responsabilidade democrática. Hoje dentro e fora do país. Primeira vez. “Pa i sedu bon simola”. Que o país ganhe. Que a população se regozije. Que a confiança e a credibilidade sejam repostas para que a sociedade possa reorganizar-se com valores e princípios sociais próprios de um Estado de Direito Democrático. Para o bem da nossa querida GUINÉ. 

Pela Paz e pela Democracia!
Viva a Guiné-Bissau!
Boa reflexão.