sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Partidos Políticos e Democracia: sensos e consensos

Luís Barbosa Vicente

Por: Luís Vicente*



Diz-nos o sociólogo Robert Michels que “ (…) os partidos políticos apareceram e tomaram corpo devido à impossibilidade de as massas gerirem os seus próprios interesses tornando necessária a inexistência de especialistas que o façam por elas”. Certamente, esta é uma asserção que merece algum cuidado da nossa parte quando abordamos questões políticas, atores políticos e o processo de credibilização da política no contexto da Nação guineense.

Na verdade, o partido político, quiçá pela própria discussão à sua volta, é a instituição que ressalta as mais variadas opiniões acerca da sua utilidade e da sua importância. Enquanto Hans Kelsen, filósofo e jurista austríaco, defendia que os partidos políticos eram “a vida da democracia”, para outros representavam exatamente o inverso: George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos de América, no seu discurso de despedida à Nação - Farwell Address, 1796 - advertiu sobre a ameaça que estes representavam para o Estado, o quão dividiam e agitavam o povo; Rousseau, filósofo e teórico político Suíço, condenava-os no Contrato Social alegando que estes corrompiam e particularizavam a vontade geral; o Código Penal Francês de 1810 proscrevia-os.

Ora bem, a história recorda-nos que a Constituição Francesa, em 1789, foi tida como o momento inicial da formação dos partidos políticos mais ou menos nos moldes atualmente conhecidos, atribuída à sociabilidade humana, a exemplo do que ocorreu com a formação da família, do clã, da tribo e do Estado. Em boa verdade, a Revolução Francesa confirmou que o “iluminismo” foi a génese e a raiz do pensamento ideológico associado à conceção dos partidos políticos. De salientar que o Iluminismo foi um movimento filosófico que defendeu o final dos regimes absolutistas e a divisão dos poderes em instituições separadas, tal como bem defendiam Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Adam Smith.

Outrora, alguns pensadores e teóricos da ciência política defenderam que “partido significa parcela de um conjunto maior que tende a disputar com outras parcelas a liderança do conjunto, que tem em vista aquilo que alguns qualificam como a conquista e a manutenção do poder”. Em bom rigor, só existirão partidos num sistema político marcado pela competição eleitoral e que assuma a forma de democracia representativa, dado que a principal função do partido é a de nomear candidatos para uma eleição.

Assim, a responsabilidade de um partido político é superior aos reais interesses particulares e pessoais dos elementos que o integram. A essência dos partidos, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que estes se apresentam como um instrumento determinante na concretização do princípio democrático e se exprimem como um dos recursos fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na justa medida em que o “povo, fonte de que provém a soberania nacional”, tem, nesses grupos, o portador necessário ao cumprimento das funções de governação política do Estado.

De tal forma, são necessários os partidos na participação do processo democrático e da construção da Nação, conforme a sua função político-constitucional, prevista no artigo 1º da Lei dos Partidos Políticos,“(…) os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (…)” e os seus interlocutores, capazes de garantir a eficaz e rigorosa participação no processo de assimilação e cumprimento dos programas estatutários que regem os seus próprios partidos. Daí entender-se que os partidos viabilizam a organização e a participação política do corpo social do País, sendo recusada, inclusive, a ideia de candidaturas avulsas, uma vez que cabe aos partidos políticos o exclusivo do lançamento de candidaturas, recrutadas nos seus quadros de militantes. 

Resumidamente, os partidos políticos têm por finalidade, e de acordo com o nosso ordenamento jurídico-constitucional “ (…) contribuir para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos e para a determinação da política nacional, nomeadamente, através da participação em eleições ou outros meios de expressão democrática, participar na atividade dos órgãos do estado e do poder local, formular críticas sobre os atos do governo e da administração pública, estudar, debater e pronunciar-se sobre os problemas da vida nacional e internacional e, finalmente, promover a educação cívica e o esclarecimento político dos cidadãos”.

Todavia, gostaria de chamar atenção para o esclarecimento político dos cidadãos, o qual pretendo desenvolver com este pequeno ensaio, tendo em conta a perspetiva interna dos partidos e a escolha que recai sobre a abordagem política que fazem da democracia e do projeto da construção da Nação. Contudo, não pretendo imiscuir-se na esfera das ciências sociais, que deve essa abordagem reservar-se aos sociólogos, historiadores, politólogos e outras áreas próprias da ciência política.

Sobre o que atrás se referiu, entendo que se torna necessário e imperioso focar três questões essenciais, as quais têm a ver com a escolha dos leais representantes da Nação para os órgãos de soberania: Parlamento, Presidência e Governo.
No que se refere ao Parlamento, instituição que aceita os conflitos sociais para os resolver pela palavra, com exclusão à violência, não só se distingue a democracia representativa da ditadura, como também por outra função política, mais nobre: a legislativa. Deste modo, o Parlamento, para além de ser a casa da democracia é, nos termos da lei fundamental, “a assembleia representativa de todos os cidadãos”.

Para além da função primordial de representação, compete à Assembleia Nacional Popular assegurar a aprovação das leis fundamentais da República e a vigilância pelo cumprimento da Constituição, das leis e dos atos do Governo e da Administração. Assim, pela importância que reveste, não se pode conceber, em democracia representativa, que conste do Parlamento o conceito de analfabetismo ou iliteracia. Na minha profunda convicção isto não constitui nenhum ato discriminatório, nem tampouco vem vedar acesso ao debate democrático pela camada da população com baixa ou menor qualificação, mas sim, o sentido de responsabilidade e a exigência que se deve pautar, desde as bases dos partidos, na escolha dos seus representantes legais para ocuparem os lugares de decisões orgânicas, estratégicas e parlamentares que o País carece e que tem urgência em usufruir.

Ter um Parlamento fraco significa favorecer ou permitir promiscuidade entre as esferas pública e privada, uma aproximação de conveniências que poderão consubstanciar no princípio da subversão dos reais interesses públicos em proveito dos particulares, tais como na elaboração das leis e projetos-lei e na discussão das matérias estratégicas para o País. O Parlamento é a casa da democracia e deve de ser tomado por quem tem real sentido de responsabilidade na discussão das leis e projetos-lei que devem orientar a vida da Nação, pretendendo que se debata não apenas grandes assuntos, mas que influencie, de forma decisiva, nas grandes questões.

Quanto à questão presidencial, apenas pretendo refletir sobre os vários posicionamentos e protagonismos vernáculos que se têm observado no plano da estratégia política e das movimentações partidárias. Na verdade, uma candidatura presidencial é a manifestação da vontade de um indivíduo que revê no seu projeto político a causa nacional e assim perfila para a liderança do mais alto cargo da Nação. Porém, essa manifestação de vontade particular poderá, ou não, ter acolhimento junto de uma determinada formação partidária como, aliás, mais à frente se abordará.

Entendo que não basta apenas querer ser Presidente da República porque fica bem, ou porque se gosta, sem ter em conta a capacidade de liderança que justifique este compromisso sério e responsável. A verdade é que o Presidente da República detém um papel importante na garantia do regular funcionamento das instituições democráticas e na moderação das diferenças entre os atores políticos concorrentes. Ainda tem a função, nos termos da Constituição da República, de garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas, para além de ser o chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Portanto, neste momento conturbado em que o País se encontra, é importante um perfil adequado de líder eficiente e chefe de Estado capaz de fazer a ponte entre a sociedade civil, governo, partidos políticos e a cúpula militar. Por conseguinte, para ser esse líder eficiente e chefe de Estado capaz, é fundamental que as pessoas confiem na sua solidez e na sua ética e tenham confiança nas suas capacidades de liderança, fazendo-as acreditar que merece a autoridade que tem. Não havendo confiança e credibilidade, nada mais é possível.

Partindo do pressuposto que uma das componentes do processo de afirmação da Nação reside nas bases dos partidos, uma vez que são estas que criam condições no seio dessa estrutura para um debate esclarecedor e integrador, e tendo, como é óbvio, no suporte legal o povo como constituinte, torna-se mais importante que os partidos sejam munidos de competências e responsavelmente determinados na luta que orientará a matriz da construção nacional. Ao partido político, como aliás já foi sobejamente referido, instituição que tem caráter nacional, é assegurada autonomia para definir a sua estrutura interna, organização e funcionamento, bem como na definição do seu programa e do seu estatuto, tal como prevê a própria lei dos partidos políticos.

Contudo, no que se refere à questão governamental, tendo em conta o posicionamento eleitoral, entendo que é fundamental que os partidos se apresentem com a devida qualidade dos seus dirigentes, uma vez que se exige credibilização partidária e responsabilidade que terão no quadro parlamentar e constitucional. Assim é que, no que se refere à escolha dos elementos que integrarão à lista de deputados, deverão ser previamente selecionados, no seio dos partidos, militantes capazes e que observam os princípios “ética, responsabilidade e honestidade”, sendo que deverão privilegiar abordagens dos grandes problemas nacionais.

E ainda, como não se podia deixar de abordar, no que se refere à escolha de uma figura no seio do partido para a candidatura presidencial, acresce referir o seguinte: Um partido deve sempre gerar consensos em torno de um candidato único. Isto de primárias e de lutas internas para a escolha de um candidato para a disputa presidencial enfraquece a coesão interna do partido e aponta para o dissenso e para a fragilização partidária. Os consensos são a melhor forma de manter a coesão e a unidade interna de qualquer partido. Ou seja, a título meramente elucidativo, apraz referir o seguinte: sem partidos políticos responsáveis não existirá um parlamento responsável nem um governo eficiente e capaz, automaticamente não existirá um País forte e credível, independentemente de uma magistratura de influência responsável, pois tudo funciona em vazos comunicantes.
Por fim, é necessário, neste momento, estabelecer a ponte e criar consensos alargados entre os vários intervenientes no processo, por forma a retomar o espírito da Nação e assim participar plenamente nos esforços do desenvolvimento social, político e económico do País. 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2014.

Nota: Solicito aos sociólogos e historiadores guineenses que se debrucem sobre o estudo aprofundado dos partidos políticos, e que nos indiquem uma matriz coerente sobre a interpretação deste fenómeno e a razão da sua multiplicidade! LV

*Expert Consult Project Investment

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Setor elétrico: o sujo falando do mal lavado

Por: Heitor Scalambrini Costa*


Apesar de seu caráter essencial, o setor elétrico brasileiro não tem sido levado em conta com a relevância necessária para atender os interesses estratégicos da população. Ele tem tido um papel que o situa no jogo da disputa eleitoral. Ou seja, vivemos a partidarização energética, que ficou evidenciada desde o inicio do século XXI. E isso não tem contribuído para encontrar os caminhos da segurança energética, da modicidade tarifária, da qualidade dos serviços oferecidos, e ainda mais, a diminuição dos impactos sócio-ambientais na escolha das fontes energéticas.

O processo de reestruturação do setor elétrico iniciado em 1995, com a “meia sola” do que ficou conhecido como o "Novo Modelo do Setor Elétrico" a partir da lei 10.848 de março de 2004, que instituiu as atuais bases do mercado de energia brasileiro, desestruturou por completo o sistema existente, principalmente com a introdução de um modelo mercantil. A partir de então a energia elétrica é tratada e sujeita as leis de mercado. Não muito diferente de um pacote de bolacha comprado no mercadinho da esquina.

O que poderia parecer uma vantagem comparativa devido a ¾ da energia elétrica produzida no país ser gerada nas hidroelétricas (o restante com as termoelétricas, mais caras), acabou se tornando um grande motivo de preocupação. Em particular, devido às mudanças climáticas e seus efeitos decorrentes, que cada dia mais tem assola o planeta Terra. Por exemplo, o calor extremo no Sudeste e a seca no Nordeste brasileiro. O que está acontecendo agora, portanto, é exatamente o que os cientistas do clima prevêem que começará a ocorrer com mais frequência daqui para frente.

Virou moda, ainda mais em ano eleitoral, falar mal da política energética do governo federal. Em parte com toda razão, visto as conseqüências nefastas do modelo mercantil adotado, e que resultou em tarifas escandalosamente altas, uma sofrível qualidade no abastecimento com as interrupções freqüentes no fornecimento de energia elétrica, os apagões (na geração e transmissão) e os apaguinhos (na distribuição). Além dos riscos cada vez maiores do racionamento.

Todavia o que chama a atenção, e nos indigna é a critica partir de setores, de pessoas, que até “ontem” estavam à frente da gestão da política energética, e que foram e são os responsáveis, coadjuvantes diretos juntamente com os gestores atuais, dos descaminhos e descalabros, que tem levado a tanta insegurança e  problemas para o presente e futuro do Brasil.

Nas criticas atuais que partem de candidatos presidenciais (ora aliados, ora opositores), políticos oportunistas, “especialistas” de plantão (cada partido político tem o seu), de jornalistas setoriais, de consultoras, lemos, vemos e ouvimos uma ladainha que se repete insistentemente, não importa que o que se defende hoje, se ataque amanhã. São visões de curto prazo, imediatistas, cujo objetivo é o desgaste político. Não existe compromisso com as idéias, com a coerência, enfim com o país. É um vale-tudo onde a busca pelo poder político é o que interessa, mesmo que para isso o país afunde.

O que importante é minar quem esta no poder. E ai, se incluem os “lobistas”, fabricantes de equipamentos que querem “vender” sua tecnologia, as grandes construtoras que querem construir mais e mais usinas, escritórios de engenharia. Aqui é o interesse econômico que prevalece ao interesse nacional.

O que é comum na política energética do governo anterior e do vigente é a falta de planejamento (em uns mais e outros menos), de investimentos necessários à modernização do sistema de transmissão e distribuição, a valorização dos técnicos e funcionários do setor, a falta de apoio na diversificação da matriz elétrica incorporando novas fontes renováveis de energia (sol, vento), uma política agressiva de conservação e uso eficiente de energia em conjunto com uma política industrial destinada a equipamentos mais eficientes, e uma falta de transparência crônica aliada a decisões antidemocráticas do Conselho Nacional de Política Energética. Que dê Conselho não tem nada, simplesmente aprova as propostas do poder executivo. E sem dúvida urge desbancar grupos políticos conservadores, retrógrados e com uma ética questionável no manejo da coisa pública instalados há décadas no Ministério de Minas e Energia.

A receita para sair do “buraco negro” em que se meteu o setor elétrico brasileiro requer vontade política. Mas que lamentavelmente nem o atual governo tem, e nem os anteriores tiveram. Portanto cabe a nós, o povo, decidir o que realmente queremos para nosso país. O resto são churumelas.


* Professor da Universidade Federal de Pernambuco

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Ucrânia, uma perspetiva...

Manif na Ucrânia 

Fonte: Carta Maior

Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular.

Tudo começou com uma série de manifestação empilhadas umas sobre as outras: uma juventude ansiosa por se identificar com a União Europeia, uma classe média cansada pelas sucessivas vagas de corrupção dos sucessivos governos, uma insatisfação com o autoritarismo e o fechamento do governo de Viktor Yanukovitch, o desejo de maior ascendência de grupos do oeste do país em detrimento de grupos do leste do país.

A repressão que o governo desencadeou abriu caminho para uma intensificação do descontentamento, açulado pelos partidos de oposição representados no Parlamento e pelo  encorajamento internacional – da União Europeia a políticos norte-americanos, republicanos e democratas.  De todos os mais animado foi o senador republicano John McCain, em dezembro, gritando na praça da Independência (Maidan), foco e espaço das concentrações: “O mundo livre está com vocês! A América está com vocês!” Melhor lembrança da Guerra Fria e do dito “A América para os [norte-]americanos” seriam impossível. Como nos velhos “bons” tempos, o alvo continua sendo a Rússia.

No pano de fundo destas confrontações estão as desigualdades do país. O leste e o sul – junto à Rússia e ao Mar Negro são mais desenvolvidos e industrializados do que o oeste, mais pobre. O leste, de um modo geral, tem seu foco econômico voltado para a vizinha Rússia, de que depende o abastecimento de gás do país, vital para a indústria e para o aquecimento durante o rigoroso inverno. Se a Rússia endurecer a questão do fornecimento de gás, cortando-o ou simplesmente cobrando o preço de mercado, a Ucrânia literalmente congela – em todos os sentidos. Entretanto para o oeste, mais  próximo da União Europeia, a aproximação com esta significaria em tese uma maior autonomia em relação ao governo central e às demais regiões do país, além de mais oportunidades de colher investimentos. Pelo menos em tese.

Há também a questão do histórico repúdio aos russos, maior no oeste, um repúdio cujas últimas e trágicas edições foram uma relação ambígua – para dizer o mínimo – de movimentos nacionalistas ucranianos com o regime nazista da Alemanha, e um conflito sangrento e frequentemente descrito como “inútil” com o regime soviético. No leste há também um fator étnico: o número de habitantes russos é muito grande, o que mexe com os brios dos movimentos nacionalistas. E é bom lembrar que na Europa, ao contrário da América Latina, nacionalismo é sempre coisa de direita.

Se este é o pano de fundo , deve-se levar em conta o que acontece nos bastidores e também no palco da política ucraniana. Nos bastidores pairam as sombras dos grupos econômicos – assim como na Rússia liderados pelos chamados “oligarcas” – que se formaram depois do desmanche da ex-União Soviética, dos processos de privatização de tudo, feitos a toque de caixa, e da independência. Estes grupos de oligarquias é que dão as cartas – o poder do dinheiro – para os que estão no palco, os políticos e seus partidos.

Entretanto na Ucrânia não houve, pelo menos até o momento, um Vladimir Putin que, na Rússia, digamos, “botou a casa em ordem”, oferecendo aos oligarcas a manutenção de suas fortunas recém feitas (sobretudo durante o governo de Boris Yeltsin) desde que não se metessem em política. Enfiando os principais desobedientes na cadeia ou mandando-os para o exílio – confortável, na verdade – Putin e seu neoczarismo disfarçado de república impuseram uma espécie de “pax romana” em seu território. Na Ucrânia não houve este Putin, mas uma guerra de grupos ora antangônicos, ora aliados, pelas benesses dos oligarcas e pelos espaços de poder, o que conduziu todos a uma política onde alianças ocasionais são apenas passos para uma ideal tomada total do poder, no melhor estilo do “para mim e os meus tudo, para os demais os rigores da lei”. Este foi o conflito que se estabeleceu entre o atualmente já ex-presidente  Viktor Yanukovitch e sua maior rival, Yulia Tymoschenko, que já fora primeira-ministra por duas vezes, líder do partido chamado de União de Toda a Ucrânia – Pátria Mãe, diríamos em português, embora em ucraniano seja “Pátria Pai”.

Yanukovitch, chegando à presidência em 2010, ensaiou e pôs em prática uma reforma consitucional para aumentar a concentração de poderes em torno da presidência, alijando os demais partidos – inclusive o do Tymoschenko – até mesmo das suas franjas. E através de denúncias de corrupção e de um julgamento carregado de suspeitas botou Yulia na cadeia. Aqui pode-se ter uma ideia das complicações da política ucraniana. Yanukovitch é visto em geral como próximo da Rússia e Tymoschenko como aliada da União Europeia. Pois o primeiro processo aberto contra ela acusava a ex-primeira ministra de abuso de poder e super-faturamento no contrato de fornecimento de gás para Gazprom, a principal empresa russa do setor e uma das maiores do mundo que, como a Petrobrás, reúne capitais privados mas tem seu controle acionário e de fundos nas mãos do Estado.

Entrementes, o pró-Rússia Yanukovitch se aproximava da União Europeia e aprestava-se a assinar um acordo de livre-comercio com ela. Nesta altura, Moscou acendeu a luz vermelha. Para se entender isto precisamos sair do teatro da política ucraniana e olhar o terreno em volta onde ele está localizado. Três grandes jogadores estão assentados neste terreno, como os bispos de um jogo de xadrez, mais um cavalo que joga com dois deles, contra o terceiro. Os jogadores são a Rússia, a União Europeia e os Estados Unidos, e o cavalo é a OTAN, a aliança militar que teve como principal inimiga a antiga União Soviética e que agora, além de policiar o norte da África  e áreas próximas, continua, nem que seja por força do hábito, a cercar seu adversário  histórico, atraindo para si os ex-satélites deste.
Os interesses dos Estados Unidos e da UE não são coincidentes na região, pois na atual conjuntura interna de Washington não interessa atiçar o confronto – a não ser na retórica – com a Rússia, devido às necessidades de acertos na Síria, no Irã, etc. Já a UE tem interesse em desembarcar seus avatares dentro do teatro ucraniano, ampliando sua área de influência econômica, seu mercado e suas ‘reformas de austeridade’. 

Outro fator que complica este movimento é o temor histórico dos EUA de que, mesmo com rivalidades marcantes, a proximidade entre Alemanha e Rússia termine por forjar  uma aliança estável  e poderosa que desenvolva um outro núcleo regional de poder. Na base de um movimento destes estaria novamente o gás russo, de que a Alemanha já depende e vai depender mais quando – e se – cumprir a promessa de desativar suas usinas nucleares.

De um modo ou de outro, o fato é que a Rússia colocou um sinal de “Pare!” nos movimentos de Yanukovitch: prometeu 15 bilhões de euros em empréstimos quase a fundo perdido – coisa que a UE, às voltas com suas próprias quebradeiras, não tem condições de oferecer à quebrada Ucrânia – baixou ainda mais o preço do gás e pôs à disposição um acordo de livre-comércio consigo mesma, mais outros países da região, ex-repúblicas, como a Ucrânia, da antiga URSS. Yanukovitch, que já estava com a caneta na mão e embarcando para Bruxelas, tampou aquela e desceu do avião. Junto aos projetos de novos capitalistas e da classe média do oeste ucraniano (onde o desemprego também é grande entre os jovens), que já sentiam o doce odor dos euros ao alcance da mão, este recuo foi a gota d’água.

Voltando ao cenário político, a gôta d’água acabou se transformando num mar de sangue. É verdade que as manifestações foram reprimidas duramente pela polícia. Mas rapidamente sua linha de frente e também seu espaço foram ocupados por movimentos de extrema-direita, nacionalistas xenófobos, antirrussos, anti-direitos humanos, anti-imigrantes, antissemitas, anti-etc., tradicionais na Ucrânia. São grupos de combate, armados, que fizeram frente a uma polícia que progressivamente foi se tornando caótica e desorganizada. Estes grupos são ligados, mas não necessariamente subordinados, ao Partido Svoboda, de extrema-direita, que tem representação no Parlamento. Na última semana os confrontos chegaram ao paroxismo.

Na frente de negociação assentaram-se à mesa três ministros de Relações da União Europeia (Alemanha, França e Polônia), Yanukovitch, três partidos de oposição e mais um representante da Rússia. Enquanto isto, na praça em frente, o conflito de agudizou, com armas de fogo de parte a parte, e franco-atiradores que provavelmente eram de ambos os lados, embora a polícia tivesse ainda maior poder de fogo. O resultado foi de centenas de feridos e muitas dezenas de mortos; as cifras destes últimos variavam entre cerca de 50 a mais de 70, com pelo menos 11 policiais. A certa altura o noticiário chegou a informar que 70 policiais tinham sido “sequestrados” pelos “manifestantes”.

Coloquei “manifestantes” agora, logo acima, entre aspas, porque houve um movimento constante por parte da mídia do Ocidente de idealizar o que ocorria na praça principal de Kiev, apresentando os acontecimentos como um confronto desproporcional entre a brutal repressão do governo e os “amantes da liberdade”.

Apesar desta cortina de fumaça, logo começaram a vazar as informações de que estes últimos eram na maioria e na verdadeira verdadeiras gangues neo-fascistas que não aceitavam nenhuma negociação nem nada , a não ser a queda de Yanukokovitch e o afastamento da arqui-inimiga Rússia.

Na mesa de negociação chegou-se a um acordo, envolvendo um recuo nas reformas constitucionais promovidas pelo presidente, eleições em dezembro deste ano e a formação de um governo provisório de coalizão. Mas na praça a força policial vinha recuando cada vez mais diante dos “manifestantes”, a tal ponto que estes ampliaram os espaço sob seu controle, chegando inclusive a tomar as entradas do palácio presidencial. Sentindo-se sem condições de segurança, Yanukovitch deixou a capital em direção ao nordeste do país.

Seguiu-se nesta altura um verdadeiro golpe de estado no novo estilo “legalizado” corrente em várias ocasiões neste século XXI (Honduras, Paraguai, Grécia, Itália...): o Parlamento declarou que Yanukovitch “abandonara o cargo” e destituiu-o da presidência, com vários ex-membros de seu partido bandeando-se para o lado da oposição, antecipando as eleições para maio e libertando Tymoschenko, que já declarou-se candidata.

Que acontecerá no futuro? É uma boa pergunta. Antes de conjeturar, um parêntese: e as Forças Armadas da Ucrânia? Trata-se mesmo de um parêntese. Depois da independência em relação à ex-União Soviética, as FFAA abriram mão do arsenal nuclear que estava acantonado em seu território, passando-o à nova Rússia emergente, e diminuiram seu contingente de quase 800 mil para pouco mais de 300 mil homens. Estão entre a cruz e a caldeirinha, realizando manobras tanto com a Rússia quanto com a OTAN, que já se declarou de braços abertos para receber este novo aliado quando ele quiser aderir. O namoro está no ar, e só não se concretizou por causa da vigilância do chá-de-pera Rússia. Até o momento, pelo menos, as FFAA ucranianas parecem estar olhando para o lado – pois nem mesmo a segurança do presidente foram capazes de garantir.

A este caldo complicado junta-se a ameaça do país rachar em dois (pelo menos): a Criméia já manifestou desejos de se separar do restante do país e pedir sua reintegração à Rússia. E no oeste também há manifestações de separatismo e aproximação com a UE, à revelia das outras regiões.

O que vai acontecer vai depender das mensagens que estarão neste momento sendo trocadas entre Moscou, Washington, Bruxelas, Berlim, Paris e em menor grau outras capitais europeias, como Londres e Varsóvia. Qual será o novo arranjo entre os partidos políticos ucranianos? É uma boa pergunta. Tymoschenko vai mesmo recuperar seu antigo espaço na oposição  que liderava, hoje ocupado por Vitali Klitschko, do Partido Democrático Aliança pela Reforma? O Svoboda vai aumentar seu poder de fogo? O que fará Yanukovitch? Os movimentos de trabalhadores, sobretudo no leste, ainda se mantinham a seu favor, embora no momento, com seu enfraquecimento,  isto não tenha significado muito no tabuleiro enxadrístico ucraniano. E o que farão os grupos neofascistas que mantém Kiev sob seu controle?

O que estes farão ainda não se sabe. Mas já se sabe o que estão fazendo. No domingo pela manhã (23), enquanto eu redigia estas notas, corria a notícia – em tom discreto, ao lado da retumbância triunfal dada ao discurso de Yulia Tymoschenko na praça da Independência – de que a Embaixada de Israel na Ucrânia emitira um comunicado pedindo que todos os judeus se abstivessem de sair às ruas de Kiev ou até mesmo deixassem a capital, se pudessem, diante dos ataques contra eles que vem se sucedendo e intensificando nas ruas, com espancamentos, perseguições e outras coisas deste tipo.
Como em velhos mas nada bons tempos, brinca-se com fogo por aqui.

A Lusofonia da bola

Mussa Baldé
Por: Mussa Baldé

Hoje vou escrever sobre o futebol português. concretamente do Sporting Clube de Portugal. Que o clube dos viscondes de Alvalade é uma agremiação eclética isso é sabido por toda gente, que aposta muito na formação também faz ciência em todo mundo, agora há um pormenor que gostava de realçar aqui: O facto de o Sporting ser o clube portaguês que tem maximizado essa ideia política de uma Comunidade de Países de Lingua Portuguesa que para mim devia ser Comunidade de Povos Que se Expressam em Português. Já viram que no Sporting estão dois angolanos (William de Carvalho e Wilson Eduardo), um cabo verdiano (Nhuk, mais conhecido por Heldon) e um guineense  (Carlos Mané, ao que consta que é sobrinho do senhor Aladje Mané que foi presidente da CNE) e todos esses jovens atletas são titulares ou peças fundamentais no Sporting.  

No passado o Sporting já teve o Luis Leal, que é santomense, e o Mexer que é moçambicano. Eis a verdadeira CPLP, de povos e não de países. Já imaginaram esses jogadores todos juntos na equipa de Sporting o quanto não seria o entusiasmo que os jogos do velho leão de Alvalade iriam suscitar nos países de onde são originarios os jogadores ou os seus progenitores?

A Lusofonia é isto, afeto, solidariedade e proximidade. E não há nada melhor para um jovem africano saber que aquele jogador ali na televisão é da minha terra. Isso dá alento, dá vontade ao jovem para seguir as mesmas pisadas e ainda se interessar pelo país onde o jogador evolui. Muitos caboverdianos são do Benfica, mas com essa transferência do Nhuk/Heldon, para o Sporting quantos não passam a seguir o Sporting nem que seja apenas para saber como vai o conterrâneo. 

A Lusofonia devia centrar mais a sua atenção no desporto, mas sobretudo no futebol. É por aí que se podia alavancar a integração dos povos. Em  tempos, estive a cogitar aqui com os meus botões o quanto seria vantajoso para a Comunidade Lusofona uma Liga de Campões entre países/povos de Lingua Portuguesa. É apenas uma ideia peregrina minha, mas não é assim que nascem as grandes ideias?


Enquanto não se fizer nada disso, delicio-me em saber que no balneário do Sporting de Portugal há a Lusofonia, isto é, contando com a falange brasileira que lá está também. Noutro dia quando o Carlos Mané fez o golo do Sporting diante do Arouca ou isso (já não me lembro bem), não sei se repararam os passos de dança que o miúdo guineense estava a ensaiar ao lado do Nhuk/Heldon. Aquilo parecia o Ngumbé da Guiné ou o  Funaná de Cabo Verde.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Eduardo Galeano será candidato ao Parlamento do Uruguai


Fonte: Opera Mundi

O autor do célebre livro “As veias abertas da América Latina” se candidatará pela coalizão de esquerda Frente Ampla.

O escritor e jornalista Eduardo Galeano será candidato ao Parlamento do uruguai nas próximas eleições de 26 de outubro, de acordo com a agência de notícias argentina Telam. Galeano deverá integrar uma das listas partidárias que apoiam a pré-candidatura da atual senadora Constanza Moreira à Presidência da República. Ainda não se sabe se ele será candidato a deputado ou senador.


Galeano nasceu em 3 de setembro de 1940 na cidade de Montevidéu, Uruguai, e viveu exilado primeiro na Argentina e depois na Espanha durante a ditadura uruguaia. Foi procurado por várias ditaduras do Cone Sul, em países onde suas obras chegaram a ser censuradas.  É autor de um dos livros que é referencia para a esquerda latino-americana, As veias abertas da América Latina.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Livro de Condolência


 A Assembleia Nacional Popular abrirá amanhã (21 de Fevereiro) de manhã um Livro de Condolências pela morte do Engenheiro Carlos Schwarz da Silva (Pepito). O Livro de Condolências estará aberto até à próxima sexta-feira (28 de Fevereiro).

Venezuela é a próxima vítima dos EUA

Moniz Bandeira

Fonte: cafenapolitica.com
O politólogo Moniz Bandeira, autor do livro A Segunda Guerra Fria advertiu hoje que os acontecimentos na Venezuela é produto da mesma estratégia aplicada nos países da Eurásia, na chamada “primavera árabe” e outra vez na Ucrânia. Segundo Moniz, autor de mais de 20 livros sobre as relações dos Estados Unidos com a América Latina e agora com a Europa e a Ásia, há um esquema de Washington para subverter os regimes, que foi aperfeiçoada, desde o governo de George W. Bush, e começa com  com o treinamento de agentes provocadores.
- Tais agentes infiltrados  organizam manifestações pacíficas, com base nas instruções do professor Gene Sharp, no livro From Dictatorship to Democracy, traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas fundações e ONGs. O objetivo é levar os governos a reagirem, violentamente, e assim poderem ser acusados de excessos na repressão das manifestações e de violar os direitos humanos etc., o que passa a justificar a rebelião armada, financiada e equipada do exterior e, eventualmente, a intervenção humanitária – explica o politólogo.
A estratégia, ainda segundo Moniz Bandeira, hoje residindo na alemanha,  consiste em fomentar o Political defiance, i.e., o desafio político, termo usado pelo coronel Robert Helvey, especialista da Joint Military Attaché
School (JMAS), operada pela Defence Intelligence Agency (DIA), para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições,mediante o planejamento das operações e a mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores do Ocidente.
- Ela visa a solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da força por meio da insurreição, mas provocando violentas medidas, a serem denunciadas como “overreaction by the authorities and thus discrediting the government”. A propaganda  é “a key element of subversion” e inclui a publicação de informações nocivas às forças de segurança, bem como a divulgação de rumores falsos ou verdadeiros destinados a solapar a credibilidade e a confiança no governo, diz o politólogo brasileiro, que tem residência na  Alemanha.
Trata-se do que o coronel David Galula definiu como “cold war revolutionary”, i.e., atividades de insurgência que permanecem, na maior parte do tempo, dentro da legalidade, sem recorrer à violência.
- Assim aconteceu na Sérvia, na Ucrânia, Geórgia e em outros países, pela Freedom House e outras ONGs americanas, que instigaram e ajudaram, com o emprego de ativistas, a impulsar as demonstrações na Síria, como expus, documentadamente, em a A Segunda Guerra Fria. Agora está sendo aplicada na Venezuela e, seguramente, tentam aplicar no Brasil com os black block.
As conclusões de Moniz Bandeira estão fartamente   no livro A Segunda Guerra Fria, editado recentemente pela Editora civilização Brasileira, inclusive com edição em e-book nas diversas ofertas do mercado, como a Amazon.com.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Eng. Pepito, um guineense que semeou desenvolvimento em tudo quanto é parcela da Guiné

Mussa Baldé
Por: Mussa Baldé

Creio ter falado duas ou três vezes com o eng. Pepito. Lembro-me perfeitamente que da primeira vez que falamos foi por causa de um poema meu sobre Cacheu do qual ele terá gostado ao ponto de perguntar quem seria o autor. Um amigo meu, que por sinal trabalha com ele na AD, apresentou-nos. Conversa breve. És tu, o autor daquela obra. Perguntou. E eu, sim, sou, respondi. Estávamos com pressa, tanto eu como ele. A conversa decorreu na sede do Governo. Enquanto jornalista tinha lá ido em reportagem de um acontecimento que seria organizado pela AD.

Dias depois recebo um recado em forma de ultimato do Mais-Velho, a forma carinhosa como era tratado pelos seus incansáveis jovens da AD, a sentenciar-me um pedido: Tens que gravar aquele teu poema para o festival Cacheu Caminho de Escravos, o retorno dos Quilombolas. Ainda pensei em perguntar os porquês, mas em África não se discute uma ‘ordem’ de um Mais-Velho dada em cima da sua autoridade forjada na idade e na sabedoria É uma ‘ordem’ vinda de uma pessoa com carisma e sapiência do eng. Pepito não seria discutida por mim, um catraio imberbe nessas lides do desenvolvimento. Disse para mim, se o eng. Pepito quer um poema meu para engalanar a sua festa dos escravos de Cacheu então assim será. Fi-lo com paixão ao ponto de o poema ‘Catcheu Terra di Rispitu’ fazer parte da coletânea de canções sobre a velha cidade guineense como introdução ao CD.

Das outras vezes que voltei a falar com o eng, Pepito creio que foram em entrevistas com ele. Confesso que tinha pouca proximidade física com o homem, mas isso não me impediu nunca de reparar nas boas ações que levava a cabo neste pequeno mais complicado país. O eng. Pepito era daquelas (poucas) boas almas que existem na Guiné-Bissau. Era homem comprometido com as causas. Sim, porque para ele as causas eram tantas. Abrir uma escola em Kubompor, ensinar aos meninos de Cassolol como cuidar dos tarrafes, sensibilizar os aldeões de Iemberém como construir fogões melhorados para preservar a floresta de Cantanhez, evocar a celebre batalha e queda do quartel de Quiledje, levar a boa nova para as terras do sul que tão bem conhecia, invocar a história glorificante da decadente, mas ainda solene cidade de Cacheu com o seu olhar nostálgico das grandes caravelas a transportar escravos para as Américas e para Europa, falar aos jovens do bairro de Quelelé sobre a participação cívica, puxar pelos jovens criadores sobre a importância da cultura para a afirmação da identidade. Enfim, o eng. Pepito era um guineense comprometido com as causas desenvolvimentistas. 

Muitos guineenses têm feito algo para mudar a vida dos demais, mas poucos têm-no feito com vigor, empenho e dedicação por tantos anos e em várias zonas do país como o eng. Pepito. Não existe uma única região da Guiné que não tivesse uma obra semeada ou incentivada pelo eng. Pepito.
Não conheci o eng. Amílcar Cabral, figura tutelar de todas as causas boas da Guiné, mas creio não estar a exagerar se colocasse a ação do eng. Pepito no mesmo patamar daquelas desencadeadas pelo chefe de Guerra isto em termos da emancipação dos guineenses. E olhem que ambos eram guineenses que não eram pretus mbaus.

As minhas sentidas condolências à família, aos jovens que de forma abnegada labutavam com ele na AD e aos amigos, particularmente ao eng. Nelson Dias.


Paz! 
Eng. Pepito numa escola da Guiné

Ordidjanotando

Li na página do facebook do irmão, amigo e camarada Mussa Baldé, este texto magnífico, que consegue de forma extraordinária retratar as intervenções que bem demonstram o trabalho e a larga visão social  no combate ao subdesenvolvimento, do grande timoneiro Eng. Carlos Silva (Pepito).

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Um adeus ao bravo Nalu...

Engenheiro Carlos Silva (Pepito)

Fiquei sobremodo consternado com a notícia da perda deste nobre filho da Guiné, pelo exemplo de dignidade e trabalho oferecido ao Povo martirizado da nossa terra. Comecei a admira-lo há mais de 20 anos, cito-o frequentemente como sendo mola propulsora, para o meu destino profissional. A sua inegável fidelidade na luta pelo desenvolvimento e melhoria de condições de vida para os "filhos de Deus menor" da Guiné-Bissau, e a sua firme determinação, coragem e destemor, ficarão gravadas para sempre na minha memória e de todos daqueles que tiveram a oportunidade de estar por perto ou trabalhado com o Pepito!!! Essa é a imagem que guardo do bravo "Nalu" branco m'pélele. Um homem batalhador e honrado na luta sem esmorecimento, pelos seus objetivos. Descanse em Paz, Homi-garandi (Homem Grande) e um forte abraço de coragem a toda a família em especial a filha, Pepas, minha colega de infância...
Notas biográficas recolhidas pela NET
Fonte: LUSA
Morreu o guineense Carlos Schwarz, diretor da Ação para Desenvolvimento

O guineense Carlos Schwarz, diretor executivo da Ação para Desenvolvimento (AD), morreu hoje, em Lisboa, segundo noticia a própria organização não-governamental, na sua página na internet.

Mais conhecido como "Pepito", nascido em 1949, Carlos Schwarz foi deputado à Assembleia Nacional e ministro do Equipamento Social no governo de unidade nacional guineense, após o conflito político-militar de 1998/99.
Nos primeiros anos da independência da Guiné, foi coordenador do DEPA (Departamento de Experimentação e Pesquisa Agrícola), instituição do Ministério da Agricultura, que promoveu as boas práticas agrícolas junto da população camponesa.
Engenheiro agrónomo de formação, "Pepito" fundou a AD para combater a fome e promover a cidadania e o desenvolvimento, sobretudo das populações mais rurais.
Neto de judeus polacos que sobreviveram ao gueto de Varsóvia e filho de um jurista guineense nacionalista preso pela polícia política do Estado Novo (PIDE), Carlos Schwarz era também um dinamizador cultural, tendo fundado rádios comunitárias, em cujos estúdios descobriu e gravou novos talentos musicais guineenses, e também a inovadora (para a região) televisão comunitária de Klelé, nome de um dos bairros de Bissau.
"Viveu e lutou pelos seus ideais, princípios e valores. Viveu e morreu como um ser livre", assinala a organização que fundou, que considera "imenso e ímpar" o seu legado.
Fonte: João Tunes, no blog Agualisa
Engenheiro agrónomo nascido na Guiné-Bissau, com ascendências que misturaram sangues das mais variadas origens (caboverdiano, português, judeu, polaco) e que para a Guiné-Bissau regressou, quando jovem licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia (Lisboa), para se dedicar à causa do desenvolvimento das populações do país que o viu nascer e que ele ama entranhadamente, sendo tão difícil, ali, onde a pobreza e o atraso dos povos se casaram com o desleixo, o gangsterismo e a corrupção (muitas destas maleitas são o que sobrou das terríveis experiências do “marxismo-leninismo africano”), resistir aos desenganos. E nota-se que, para resistir e persistir, Carlos Schwarz da Silva (“Pepito”, assim lhe chamam os amigos) ainda se ilumina no exemplo e na obra (incompleta, porque interrompida por Spínola, a PIDE e a traição de alguns dos “seus”) de outro agrónomo guineense, Amílcar Cabral. 

Eng. Pepito

Partilho também convosco, amigos leitores, alguns e-mails trocados com o mais-velho Pepito, em 2009, quando preparávamos para apresentar no concurso DOC-TV, o documentário “Vozes da Esperança” que seria um retrato da origem e o papel das Rádios Comunitárias na Guiné-Bissau, onde ele foi um dos precursores. Existem muito mais correspondências com o Eng. Pepito, desde a minha inclusão entre os membros do conselho consultivo da RENARC, cargo que de forma elegante me obrigou a aceitar, até algumas reflexões políticas. Quando comecei com este projeto Ordidja foi dos poucos que encorajou a iniciativa e fez um comentário num dos post.  
Amigo Helmer

Parabéns por esta vossa iniciativa.
Dá-nos coragem ver pessoal mais novo a avançar com iniciativas portadoras de inovação e sucesso. Contem comigo para TUDO.
Segue:
» relatório da Renarc de 2007-08: segue noutro anexo

Abraço

Pepito 

Quando não fomos selecionados no concurso e o testemunho das nossas correspondências:
Car@s amig@s,

Aqui estou de volta, para dar as ultimas informações, sobre o concurso DOC-TV

Como previsto no regulamento, no dia 16 do corrente, foram anunciados os três projectos que irão concorrer na defesa oral…

Entre os escolhidos, não figura para o meu desalento, o projeto “Vozes de Esperança”

Portanto o júri decidiu, está decidido… Envio no entanto o e-mail, dos resultados e a impressão dos júris… Só não percebi se o projeto foi tido como documentário ou como reportagem…

Posto isto, reafirmo aqui, que vou continuar com este projeto, sem duvida haverá tempo para incluir, algumas perspectivas que já no projeto inicial havia, mas pela falta de tempo não deu para incluir…Caso do Eng. Porfírio (o único engenheiro que fazia os estudos técnicos, para atribuição das licenças de emissão…)

Vou incluir o Instituto de Comunicação da Guiné (ICG) entidade pública que coordena a área da comunicação no país e o Eng. Pedrinho, será o homem que nos fará o panorama das exigências estatais para implementação de um projeto de Rádio Comunitária, já o tinha contato, mas só que não tinha os plenos poderes, para autorizar o “direito de imagem” …

E mais pessoas que estiveram também ligadas ao surgimento e fortalecimento das Rádios Comunitárias na Guiné, a saber: Eng. Sambu Seick (ex-SWISAID)  e Ladislau Robalo (INFORMORAC)… Numa semana apenas para montar a versão que foi remetida ao concurso, não foi possível contactar todas estas pessoas, uma vez que era necessário os “direitos de imagem” uma exigência fundamental no concurso…  

E claro estarei aberto às opiniões e sugestões que queiram partilhar, para um olhar mais “alargado” sobre este projeto…
Agradeço mais uma vez à todos que contribuíram e se empenharam para que conseguíssemos concorrer e só isso, valeu a pena…

OBRIGADO…
     
Um abraço fraterno a todos…

Mantenhas

Helmer Araújo

Mensagem mais uma vez encorajadora do Eng. Pepito

Caro Helmer

Também para mim foi uma decepção a não aprovação do teu projecto.
A curta explicação não me convence. Parece que o júri foi para os casos que estão na moda (ambiente, mulheres, etc.) e muito baseados em pessoas individuais, do que em inovações colectivas e portadores de futuro.
Critérios.....

Vamos continuar.
Abraço e Força!

Pepito