terça-feira, 30 de julho de 2013

Um simples adeus ao Nhu Brey

Helder Saldanha

Eram 5 horas e alguns minutos, da manhã em Brasília, quando fui comunicado do falecimento do meu tio Helder (Nhu Brey). A dor e o aperto no peito foram tão fortes que, perdi o chão. Nem preciso lamuriar o quanto chorei, porque como sabe o leitor, os homens também choram. O meu tio Hélder (Nhu Brey) era mais do que querido, mais do que amado e fundamentalmente, mais do que admirado. Se quiser leitor, ele era para mim, mais do que tio, era sobretudo, um grande e bom amigo! Com uma simpatia contagiante o meu tio Hélder (Nhu Brey) era facilmente admirado pelo os que o conheceram. Tinha o dom de cativar as pessoas, respeitava todos com a simplicidade do humanista. Alias, confesso que nunca o vi irritado ou enfurecido com nada. Muita das vezes, com os meus irmãos comentávamos que o tio Helder(Nhu Brey) nunca se zangava. Mesmo quando éramos crianças e com as nossas traquinices provocávamos e, em resposta por vezes até sorria, para exibir a sua capacidade de deixar passar, perdoando. Como pessoa, era de trato extremamente simples.

Com essa forma de estar contagiante, amou, cresceu e sempre viveu no bairro Tchon di Pepel-Varela, bairro também conhecido por ter pessoas extremamente “malcriadas” mas o caso do meu tio Hélder(Nhu Brey) era a prova de que existiam também aqueles que mostravam o oposto da “mal-criação” com a simplicidade de uma educação boa, com a ternura no trato humano, que respeita o outro, como gostaria de ser respeitado. Apaixonado pelo futebol, foi vencedor de vários campeonatos defesos no mítico Estádio Forçadu enquanto treinador dos Nortenhos no mesmo bairro.   

É esse exemplo que guardarei deste meu uncle cool . Guardarei também a capacidade de saber escutar( e não ouvir) as pessoas que lhe era característico e, o fundamental, a vontade de dialogar e alongar as conversas em eternas passadas. Entre os amigos, conheciam-lhe os dons de cômico. Possui-a várias alcunhas (apelidos no Brasil), ora era tratado por Nhu Laban, ora muitos o chamavam de Nhu Brey, nome coptado pela admiração que ele nutria por jogador de nome Breytner. Tinha sempre uma anedota, uma estória hilariante ou paródia bem esgalhada, para fazer os outros rirem, nunca lhe escutei um insulto ou palavra indecente, mesmo naquelas estórias mais picantes. Sem inconveniências, abobinava a inimizade (indimizadi em crioulo) pois era um animador nato, que gostava de dar-se bem com todos, e fundamentalmente os elementos do grupo “Ratadjá” que entre amigos pagodeávamos de “Ratadjá Futebol Club”. Amou o futebol, sempre acreditou que não morreria sem conhecer o Estádio do Sporting, acabou por conhecer Alvalade XXI, já doente em Lisboa, mas o sonho mesmo (se a memória não me escapa) era conhecer o Estádio José Alvaladenome que tinha o supracitado estádio leonino. Escusado será falar da paixão pelo Sporting.        

Na sociedade, apresentou-se sempre como professor. Quando conclui-o o 7º ano, foi dos que recrutados para lecionar, nos liceus da Guiné, foram esquecidos na prateleira. Deu aulas(como costumamos dizer) em Cantchungu, durante vários anos, mas de regresso à Bissau, nos anos 80, lecionou no Ciclo Preparatório “Amizade Guiné-Bissau Suécia” mais conhecido por Pêre, onde acabou por ser Diretor. A única disciplina que lhe fascinou e que sempre lecionou foi às Ciências Sociais. Foi coordenador entre os professores da mesma disciplina no ensino secundário (colegial nesta banda). 

Contribuiu na formação de vários jovens guineenses, enquanto professor e diretor. Hoje, deixa a família os filhos e os amigos, com a mesma lisura que caraterizou a sua passagem terrena. Longe, sem puder participar no ultimo adeus, ao meu tio Hélder, deixo aqui esta pequena homenagem, neste simples adeus. Como sou de engomar palavras mesmo lendo, e sentindo cada eco simbólico que carregam as palavras que nos fazem voar, resta-me apenas agradecer a um dos meus leitores mais críticos, que hoje nos abandonou. Engraçado, hoje apeteceu ler Neruda. Sim, Pablo Neruda o poeta dos poetas. Porque hoje tive a sensação que o dia não teve inicio, ou seja, foi um dia sem começo, que pela dor carregada, gostaria de acordar de novo e tudo parecer um simples pesadelo. Descanse em Paz Nhu Brey!     
             
                                   Gosto quando te calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

                                                                       Pablo Neruda