segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Parabéns Comandante Pedro Pires

Comandante Pedro Pires

Pedro Pires, o homem que se confunde com a História de Cabo Verde

Fonte: AngolaPress

Pedro Pires, 77 anos, prometeu que, após  deixar a Presidência de Cabo Verde, começaria de imediato a  escrever as suas  memórias. Agora tem mais um capítulo a acrescentar: distinguido com o Prémio Ibrahim de boa governação, reporta hoje (segunda-feira) José Sousa Dias,  da Agência Lusa. Chefe de Estado de Cabo Verde entre 22 de Março de 2001 e 09 de Setembro de 2011, e Primeiro  - ministro nos primeiros 16 anos de vida do país (1975/91), Pedro Pires ficará conhecido como o "Presidente historiador", consubstanciado pelos sucessivos apelos à importância da memória, embora tenha "pecado" por não ter, ele próprio, ido mais longe na revelação de factos do passado.
 
Para explicar o seu apego à História, Pedro Verona Rodrigues Pires, natural de São Filipe, ilha do Fogo, onde nasceu a 29 de Abril de 1934, cita frequentemente uma frase escrita pelo político, advogado, investigador e historiador burkinabé Josph Ki-Zerbo (1922/2006): "Enquanto os leões não tiverem os seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão a glorificar o caçador".  Político e militarmente envolvido na criação dos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas em África, Pedro Pires estudou, no início dos anos 1950, em Portugal, onde conheceu os futuros líderes de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. 
 
Com o início da luta armada em Angola, em 1961, partiu de Portugal para a Guiné-Bissau, onde se destacou como um dos principais comandantes da guerrilha do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAICG), sendo ele próprio o representante cabo-verdiano que participou nas negociações com o país colonizador.
 Com o peso a que História lhe dá, é uma voz ouvida e respeitada em África, especialmente na Ocidental, sobretudo nos conflitos recentes na Guiné-Bissau e Côte d'Ivoire. 

Nota Ordidja

Antes do Depois!!!
Depois de muito tempo perdido, voltei hoje antes que o prometido caia no vazio, ao discurso do Doutor Comandante Pedro Pires. Num contraste franco, decidi juntar a notícia com que o mundo acordou do prémio Mo Ibrahim, atribuído hoje, ao ex-presidente Pedro Pires, com a última parte do longo e interessante discurso proferido pelo mesmo, quando lhe foi distinguido com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Lusófona de Lisboa. Palavras sábias, de quem de forma simples e natural participa, no desenho da construção da sociedade cabo-verdiana atual.  
Seja como for, que queiramos ou não, estamos perante uma figura marcante do novo milênio em África. Combatente da Humanidade, Combatente da Dignidade e, sobretudo, Combatente da Liberdade. Por tudo isso, o prémio ganho hoje é merecido. Enquanto reconhecimento político fez-se justiça, tendo em conta o percurso político notável e ímpar, daquele que foi e é, um dos responsáveis para que eu e muito dos leitores nascessem numa terra Livre. Parabéns camarada Doutor Comandante Pedro Verona Pires. Aqui vai a IIIª e última parte do discurso.     
“Minhas Senhoras e meus Senhores
Estamos a falar da experiência de Cabo-Verde. Assim, parece-me necessário caracterizar a realidade cabo-verdiana: está-se perante um Estado arquipelágico, de território fragmentado, e de dimensão física e humana reduzidas, com parcos recursos materiais, o que representa uma realidade constringente e específica. Esta condição convida a evitar mimetismo ideológico e a reprodução da organização institucional dos países grandes, que conduziram à macrocefalia dos Estado, com sobrecustos de funcionamento insuportáveis . Logo, é necessário fazer a gestão da coisa pública de acordo com critérios que tenham em conta o factor pequenez e os constrangimentos e fragilidades que dele derivam, tais como, a dificuldade em suportar os efeitos de crise, de convulsões sociais ou de instabilidade institucional ou governativa. A própria política interna fica condicionada por esses factores de risco. Essas condicionantes apelam à lucidez, à antecipação, à precaução, à cooperação e ao espírito de compromisso. Requer  uma política prudente e a capacidade de liderança em antecipar as tendências negativas e em tomar, a tempo e a hora, as decisões correctivas. Por outro lado, a pequenez territorial e humana faz com que a economia seja incapaz de gerar dimensões de escala, o que obriga a desenvolver uma economia aberta. Em decorrência, Cabo Verde tem necessidade de encontrar espaços de complementaridade e de parcerias e âncoras estratégicas. Deve especializar-se e dar prioridade aos domínios económicos em que seja singular ou mais forte e competitivo.
Outrossim, não se pode pensar Cabo Verde sem a sua segunda dimensão, isto é, sem incluir a sua vasta diáspora. É imprescindível pensar esta importante comunidade emigrada e, nomeadamente, no significado da sua ligação umbilical com o país, assim como, no seu contributo relevante em prol da libertação nacional, para o desenvolvimento socioeconómico e para a nossa projecção no mundo. Com efeito, as comunidades cabo-verdianas emigradas constituem um autêntico prolongamento da Nação, em diversas dimensões: cultural, humana económica e tecnológica. As experiências e os recursos que geram e acumulam, se devidamente aproveitadas, serão de uma utilidade relevante para o avanço do país. (...)
Em termos de reformas, elas ultrapassam de longe campos económicos e políticos, que geralmente merecem maior destaque nos meios de comunicação e maior atenção dos analistas. Começaram com a fundação do próprio Estado e prosseguiram, em seguida. Pois, era indispensável reformar as normas de funcionamento do Estado e da vida pública e lançar as bases de uma nova sociedade e de novas instituições públicas. Compreenderam toda as outras áreas da vida pública: educação, saúde administração pública, justiça, defesa nacional, segurança pública, segurança social, relações agrárias associativismo e economia social.
No campo económico, as razões para as reformas e a consequente liberalização da economia, iniciadas com a revisão da Constituição económica, tiveram como fundamento (depois de satisfação razoável das necessidades básicas) a indispensabilidade de ultrapassar os limites dos recursos públicos e da DPD, insuficientes para garantir os financiamentos avultados exigidos pelo processo de desenvolvimento, acrescido ainda de restrição ao endividamento público. Assim, transcorrido um pouco mais uma década sobre a independência, mostrou-se necessário atrair mais investimento directo estrangeiro e fazer da economia cabo-verdiana um espaço interessante para o investidor privado nacional e estrangeiro.           
Consumada a reforma económica, era aconselhável e natural que se prosseguisse, para o domínio político institucional, com a abertura política, em busca de uma legitimidade e da renovação da responsabilidade directa da Nação face ao novo contexto interno e aos desafios que se vislumbram, seja, com as transformações políticas em curso no plano internacional. Ao contrário do que se tem apregoado, sugerindo pressões ou imposições externas, devo garantir-vos que foi uma decisão interna corajosa e bastante reflectida, interiorizada e assumida pela liderança do partido no poder, com todas as suas consequências. Do ponto de vista institucional e nas condições sociopolíticas prevalecentes no país, naquela altura, estimo que, no caso cabo-verdiano, a instauração da democracia pluripartidária estará mais próxima de uma evolução institucional do que ruptura institucional. É isso que pode explicar a sua normalidade e sucesso. E, também, pode ser o facto que justifica que eu seja, hoje, Presidente da República.
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Pressinto que nos encontramos a porta de um novo ciclo político mundial. As instituições internacionais herdadas da II Grande Guerra e da chamada guerra fria e a partilha do poder, que representam, dão sinais claros de esgotamento, de bloqueio e de ineficiência. Há manifestação de retrocesso em matéria de direitos e de garantias individuais e para os actores políticos mundiais menos poderosos e mais frágeis. As crises econômico-finaceiras sucesivas, por sua vez, põem em causa os alicerces da economia mundial. Também, as suas regras, normas e éticas estão a ficar cada dia mais obsoletas e menos fiáveis.
Como resultado das profundas mudanças registadas, verifica-se uma clara mudança nas relações de força no plano internacional. Assim, as regras do jogo prevalecentes, até agora, devem ser revistas e adequadas aos novos tempos, sob risco de piores desregramentos. Porém, fica a dúvida: será que aqueles que se têm beneficiado das regras assimétricas de poder, já ultrapassadas, terão lucidez suficiente, o desprendimento e o sentido inteligente do futuro para aceitar uma partilha diferente de poder e de responsabilidade no mundo? Sejamos optimistas!
Muito obrigado pela vossa amável atenção.
Lisboa, 22 de Junho de 2011”