sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Rekado di ermondadi

Tony Tcheca

Conferência de homenagem à Vasco Cabral
Rekado di ermondadi
“Na nha manera di odja”

Quando num tempo madrasta que já dura uma eternidade, em que se vilipendia  os valores da terra-guiné, e se despreza o saber a honradez e verticialdade em favor de teorias inócuas de matchundade revestida de ignorancia, um grupo de homens e mulheres se reunem para lá dos limites da cor politica, com o fito de celebrar uma figura da envergadura de VASCO CABRAL, o Homem da Cultura, das letras e das ciências, é um sinal forte de que alma guineense está viva e resiste  às investidas que visam desalicerçar a sua idiossicrasia – a nossa maneira de ser e de estar.
Evocar Vasco Cabral é convocar a sociedade para um djumbai de pensa Guiné. É uma opção clara de rejeição de modelos assentes em conceitos torpes de falsidade que negam à terra-mãe o direito ao crescimento e ao desenvolvimento equilibrado e harmonioso. O direito de sermos um só: Homem Guineense. Sim. Homem Guineense de pés fincados no chão e olhar dimensionado à escala universal – cidadão do mundo. Aquele que se preza pelo que é, pelos seus valores que bebem a sabedoria na multiplicidade enriquecedora do seu mosaico etno-cultural, a base de partida para melhor entender o mundo e por esta via ser respeitado e elevado à categoria de fazedor da história e da modernidade.
Era assim que Vasco via e entendia o homem: Um negro/ Uma branco/ Um forte abraço mútuo/O mesmo alvo sorriso./ O pensamento: bandeiras verdes e brancas..../ A mesma dor humana/O mesmo rubro sangue.../.... O mesmo homem/ em cores caleidoscópicas...
Este é o caminho seguido pelo poeta. Poeta-Homem. Poeta cidadão. Poeta combatente da PAZ, combatente do AMOR, exemplo de honra, carácter e de companheirismo. Hoje, do ponto de vista moral, Vasco Cabral eleva-se à categoria de modelo, um figurino, uma referência da verdadeira guineendade que se alimenta de poções de bardadi na cabaz de ka bu pui mon na kil ki ka di bo. Guineendade igual a trabalho, igual a honestidade. O mesmo que dizer competência. O mesmo que rejeitar a violência. Mas também o equivalente ao repúdio do oportunismo e ao desejo mórbido e desprezível do poder pelo poder. O poder a qualquer preço. Ainda que a terra gema, ainda que a dor amargue a vida, ainda que das entranhas da terra se ouçam vozes de revolta.
Ler Vasco Cabral, tê-lo em nós, é não perder a esperança. É conjugar o Homem na primeira, na segunda e terceira pessoa. O sujeito principal de toda a acção. É viver no presente o seu poema de 1957: “Disseram-me que parasse”. Um poema de esperança, de crença e de porfia pela vida. Um vida digna que nega a sujeição e o fatalismo dramático da incapacidade e do insucesso. Viajemos nalguns versos do poema:
 “Disseram-me que parasse, parasse/ Porque o movimento cansa./ Eu não quis parar/ E caminhei na estrada meus passos da esperança.../ Disseram-me que chorasse, chorasse porque a vida é dor/ E eu desatei a rir/ Como Homem que endoidece/ E cantei na estrada  um canto libertador.../Disseram-me que fugisse, fugisse/ Poruq a vida é tédio e a rosa se floresce também murcha/ quiseram vendar-me os olhos para que viesse, nao viesse.../ Mas nos pés tinha olhos... e caminhei na estrada os meus passos de esperança até que esses olhos furaram a treva...
Não temos o direito de interpelar o passado com laivos de ressabiamento ou de doloroso ajuste de contas. A história ocupar-se-á dos registos e a todos julgará a seu tempo. E o tempo será o melhor fórum de justiça. O santuário para exorcizar os nossos fantasmas e ossacerdotes de tanta kabalindade que separa e divide os guineenses, afastando muitos para os caminhos da diáspora. E a  diáspora que mais dói é aquela que é vivida na própria terra, quando não se entra na engrenagem de uns ou de outros, gente que em boa verdade não tem projectos de progresso. Bandeiram a máxima de que “se não estás comigo é porque és contra”. Como dizia Amícar Cabral, “gente que nunca fez nada.... gente que nunca valeu nada...” Do seu suor frio e calculista não caem gotas de kumpo terra.
Importa é situarmo-nos de corpo e alma neste binómio de actualidade “tempo/ espaço” em que urge soltar a canoa para novos portos de bemba farta que alimente a fome escancarada, que o nosso povo hoje ostenta, de paz e de vontade de caminhar em águas conducentes ao desenvolvimento. É tempo de recuperar os nossos valores culturais. Da nossa maneira de ser. A minha, a tua, a nossa. Naquele jeito bem nosso de quem dá sem ver a quem. Aquele jeito de quem sabe receber, sem perguntar ao que vem o estranho. Aquela mão que tem sempre uma caneca de água hospitaleira para quem chega. Aquele cidadão que em nome de todos consente sacrifícios. Aquele que hoje é vizinho, amanhã é tio. Aquele que é GARANDI, pela magnamidade que incorpora, pelo saber que acumula, pelo sentido de justiça e da fraternidade que regem o seu estar. A verdadeira magistratura suprema da guineendade.
Sem ter podido estar esteira deste fórum, estou em crer que é tudo isto que explica a iniciativa que hoje se espelha na imagem deixada pelo Homem simples que foi Vasco Cabral. É um espírito que rompe as fronteiras políticas cas e diminui possíveis divergências nascidas de meras opções ideológicas que só pedem ser motivo para a existência de espaços de sabatina saudável.
Abram alas e deixem a Guiné seguir o seu destino. Soltem as amarras e deixem o kanua rumar a portos de boa verdade com marinheiros dispostos a remar com braços de macaré e bússulas de competência, saber e dedicação.


 GUINÉ SOMOS TODOS MESMO DEPOIS DA ESPERANÇA 

Tony Tcheka
Lisboa, 18 de Agosto de 2011

Nota Ordidja
Este texto foi-me enviado pelo meu mais-velho, Tony Tcheca em que na impossibilidade de viajar para a Guiné, para participar na Conferência em homenagem a Vasco Cabral, enviou esta mensagem em forma de "rekado di ermondadi" (recado de fraternidade) para os participantes.
Muito obrigado Tony, pela partilha conosco essa linda mensagem! Mande sempre!!!
Abraço e bom-fim-semana à todos!