domingo, 26 de dezembro de 2010

Grande Entrevista com Celina Spencer




Grande Entrevista com Celina Spencer

Iª Parte

O – Nasceu na Guiné, hoje vive nos Estados Unidos de América, gostaríamos de saber um pouco mais das recordações que retém desse seu percurso?

C. S – Os meus percursos foram demasiados e em cada um deles fui almejando uma gota de um Amor infinito `a minha terra, e a esperança de um retorno final, para reencontrar a essência da minha vida. Falando do percurso para a América, aonde fui prestando contas `a minha cultura, vivenciando experiências de estranhamento, sentindo-me muitas vezes um ser em trânsito, tropeçando com deslumbramentos e decepções, mas sempre mantendo uma identidade própria, mesmo na adaptação e compreensão das diferenças e igualdades das culturas, fui-me enquadrando, adoptando ao princípio da subsidiariedade.
As previas experiências imigratórias estandardizaram os desafios deparados, entendendo muito cedo que o domínio da língua era o essencial para atingir as metas traçadas Ainda ilegal, decidi aprender o Inglês utilizando um método próprio, de memorizar 10 palavras cada dia e ao atingir 500 palavras, das mais correntes para conversação diária, comecei a sair, comunicar, sem me importar com possíveis erros, porque o meu objectivo era improvisa-la.
Sem possibilidades para exercer as minhas funções profissionais de psicóloga, devida a ilegalidade e a barreira linguística, decidi trabalhar no Dunkin Donuts (venda de cafe) e fábrica de correntes. De um trabalho para outro, fui mantendo os meus três filhos em Portugal, ao mesmo tempo que respondia com as minhas despesas locais. Dois anos se passaram, obtive a residência americana e, com um fôlego profundo, enchi o balão para voar e nesse trajecto tirei o curso de Inglês avançado.
Mandei fazer o reconhecimento do meu diploma, pedindo equivalência, fui-me especializando em diversos ramos ligados `a Psicologia, fui ganhando experiência Professional, em diversas organizações por exemplo no "Center for Women and Families”, um centro de aconselhamento para famílias e indivíduos com problemas de violência domestica e assaltos sexuais, trabalhei nos Hospitais, para posteriormente, direccionar todo um esforço e dedicação no programa de famílias desprotegidas.

O – Do que guarda de mais gratificante o facto de ter nascida guineense? Já agora tem uma data especial um acontecimento especial que queira partilhar?

C.S – A Humildade e a Ética relacional. A Guiné proporcionou-me a possibilidade de percepcionar, diferenciar e adoptar valores tais como o amor na diversidade, contrariando a exclusão, a partirização e o autoritarismo. O mais gratificante mesmo foi, à aprendizagem do modelo no exemplo de vida de liderança, que era capaz de romper com ciclos viciosos, e depois há, a solidariedade típica guineense, e na nossa terra contávamos com segurança, havia a transparência, a força e coragem, misturada com dignidade, honestidade e paciência.
O acontecimento mais lindo e positivo que apreciei na Guiné foi, a entrada do PAIGC, em 1974, à nossa capital, Bissau. O povo jubilando a sua alegria, com danças ao som dos tambores, os jipes dos militares guineenses decorando as ruas, com as suas bandeiras flutuando,foi o espectáculo e o dia mais marcante que guardo, da minha terra e do meu povo.

O – Se tivesse que escolher três palavras, para exprimir a sua forma de sentir os momentos: menos(-) e mais(+) felizes do seu país Guiné-Bissau, quais escolheria?

C.S. – Decepção, Preocupação e Saudade;
1º Decepção - devido ao que tem estado a acontecer sucessivamente e o estado em que se encontra o nosso País e Povo, numa autêntica calamidade de sucessivas crises e a péssima governação.
2º Preocupação – pelo futuro da nossa Guiné, a nossa identidade e os nossos destinos.
3º Saudade – da minha terra, do meu povo, dos meus familiares, dos amigos e conhecidos que lá deixei, mas sobretudo, da nossa excelente gastronomia.
 
O – Com o slogan “Celina Presidente” consegue apresentar uma campanha eleitoral inovadora em relação aos movimentos associativos da Diáspora guineense, utilizando o massificado, Novas Tecnologias de Informação (NTI), sobretudo às “redes sociais” consegue mais de três mil membros, como foi montado essa estratégia?
 
C. S. - Tendo em conta que uns dos passatempos hoje é a Net, e a Facebook uma das redes mais utilizada para a reunificação de amigos e familiares, decidimos com a minha equipa, abrir a página da Celina Presidente. Numa primeira fase, foi numa tentativa de descobrir os guineenses espalhados pela América fora, e fazem parte deste evento. Uma página aberta, para este tipo de situação, é a mais adequada, e ai foram chegando solicitações. Numa semana, conseguimos descobrir que realmente, existem muito mais guineenses, do que pensávamos e a viver em muitos mais Estados, do que jamais tínhamos imaginado! Foi assim que, pela primeira vez, conseguimos localiza-los e engaja-los neste processo eleitoral.

O – Como vai ser esta “União para a Mudança” ou como por vezes também intitulado “ Unir para a Mudança” que é o lema de apresentação da sua proposta enquanto candidata?

C. S. – Pretendemos dividir os Estados Unidos, em cinco regiões, e em cada região teremos o seu Director Regional, que por sua vez, elegerá um coordenador em cada cidade aonde estejam guineenses residindo. O Director regional reunir-se-á com o seu elenco e membros da região uma vez por mês; enquanto a Direcção-Executiva reunir-se-á com os Directores Regionais trimestralmente para o balanço das actividades e do programa em geral.
Abrir-se-á uma Web-page, aonde as informações estarão expostas. Uma vez por ano, haverá a grande festa da reunificação, aonde poderão participar todos os guineenses, residentes nos diversos Estados. Incentivar os mais jovens na participação das actividades da comunidade. Existe a necessidade de promover uma ligação entre os imigrantes mais antigos com os recém-chegados, para que a homogeneidade subsista, e se ponha um termo `a estratificidade, salvaguardando a nossa identidade.

O – Considera que falta alguma “união” na comunidade guineense nos EUA?

C.S. – Devido a situação geográfica dos Estados dentro dos Estados Unidos, os guineenses, encontram-se distanciados. Não houve uma imigração centralizada, como acontece com muitas nacionalidades, que se aglomeram num Estado. Nós estamos espalhados nos diversos Estados. Para além disso, com a falta de experiência imigratória, considero que o guineense vai perdendo um pouco a sua sensibilidade patriótica no processo da adaptação.
As pessoas embrenhadas no seu dia-a-dia, numa luta constante, contra o tempo, tornam-se limitadas para se dedicarem à comunidade. Os horários dos trabalhos muitas das vezes não ajudam nos encontros necessários para implantarmos a nossa guiniendade, porque na América, os horários de trabalho rodam consoante as 24 horas do dia, com os turnos, isso vezes os sete dias por semana. Ainda por cima, muitos trabalham nos fins-de-semana, isso tudo juntado ao escassez do tempo, não se tem conseguido proporcionar actividades de convivência, que são formas fundamentais e necessárias para a implementarmos uma União.
No entanto, trabalhando coordenadamente, e com a obtenção de uma Sede, esperemos que a nossa comunidade poderá juntar-se com mais assiduidade, aproveitando os seus tempos livres, para algumas actividades com a comunidade, e para a comunidade. Contamos com algum estímulo, pouco a pouco, conseguiremos atingir os nossos objectivos.
Com a criação da nossa Web-page isso também poderá contribuir para uma activação de alguns guineenses solitários pela distância, e isso viu-se e deu resultados positivos, durante a minha campanha.

O – Quais vão ser as linhas mestras do seu projeto enquanto presidente da Associação dos Imigrantes Guineenses nos Estados Unidos, que como se constatou durante o período eleitoral, ainda nem está legalizada?

C.S. - A Associação esta legalizada apenas no Estado de Rhode Island. O que pretendemos no nosso mandato é regista-la a nível nacional, para que, legalmente possamos representar todos os guineenses em todos os Estados. Torna-la numa organização, não governamental para o desenvolvimento como várias outras que existem. Pretendemos desde já fazer um recenseamento dos guineenses, nos Estados Unidos. Criar relações com o país, e trabalhar conjuntamente com a Direcção-Geral da Emigração e Serviços Consulares integrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Guine, com o objectivo de criar um elo entre a nossa organização e os organismos estatais e os serviços públicos e privados para mantermo-nos ligados à Guiné.

Nota Ordidja
Não perca as considerações finais e a segunda e a terceira parte desta grande entrevista realizada pela Ordidja com a Celina Spencer a Presidente da Associação da Comunidade da Guiné-Bissau nos EUA, nos posts seguintes.